segunda-feira, fevereiro 27, 2012

CANCIONEIRO DE JOSÉ RAFAEL (3)

Deixa-me acreditar, meu pequeno pássaro,
que voaremos ainda sobre os telhados
da nossa cidade desfeita, e que desenharás,
com os teus lápis de cor, os ilesos campos
que a ruína não logrou  tocar.
Aí ficaremos os dois, na manhã
que o teu traço anuncia, correndo e brincando
por entre as macieiras da verosímil imaginação,
até que cansados nos deitemos de costas,
a tua pequena mão no meu polegar,
as nossas cabeças juntas, sob o sol amarelo
que radia sonho e a alegria única
do nosso amor
contra as paredes hirtas da desilusão.

3 comentários:

Maria Amélia disse...

Óptimo, temos mais poesia: parece a pedido, pois tinha estado a fazer um comentário laudatório/rogatório que não seguiu.
Era do seguinte teor: a poesia do J. Rafael, de ano da morte assinalado, desperta em mim não sei que íntimas inquietações...

Manuel Nunes disse...

Sim, Minha Amiga, também a mim me inquieta. Na poesia deste José Rafael, julgo sentir as vozes de Nuno Júdice, Manuel António Pina e José Agostinho Baptista. E, no entanto, o homem mal conhecia estes poetas...Mistérios do mistério da poesia.

Maria Amélia disse...

Gosto dessa ideia: a poesia como mistério. (Não conheço o Manuel António Pina--sempre a aprender).