quinta-feira, agosto 30, 2018

O POETA DE PONDICHÉRY



Em Jacques o Fatalista, de Diderot, é contada a história do mau poeta que o narrador (Diderot, ele mesmo) aconselha a ir para Pondichéry, feitoria francesa da costa oriental da Índia, para aí tentar fazer fortuna com um negócio de joalheiro. Se o mau poeta se tornasse rico em Pondichéry (como veio a acontecer), continuaria certamente a fazer maus versos, mas teria o conforto da fortuna na sua gorada subida ao Monte Parnaso.
Nos doze poemas de O Poeta de Pondichéry (1986), Adília Lopes glosa as venturas e desventuras desta personagem de Diderot. Pela correspondência literária do enciclopedista, sabe-se que ela existiu na vida real com o apelido de Viguier (nota de rodapé de Pedro Tamen, tradutor da obra para a edição da Tinta da China).
Ainda bem que o homem enriqueceu com os seus negócios: ser mau poeta e ainda por cima pobre é fardo difícil de suportar.

quarta-feira, agosto 29, 2018


Eu não sonho possuir-te. Para quê? Era traduzir para plebeu o meu sonho. Possuir um corpo é ser banal. Sonhar possuir um corpo é talvez pior, ainda que seja difícil sê-lo: é sonhar-se banal - horror supremo.
= Bernardo Soares, O Livro do Desassossego.


segunda-feira, agosto 27, 2018

domingo, agosto 26, 2018

COMPRAS DE FIM-DE-SEMANA


Odes Modernas, ontem, no mercado de livros da estação do Cais do Sodré. L´Oeuvre, hoje, na secção de livros usados da Barata. Sobre este, tenho uma curiosidade a revelar, mas não aqui... Cada um pelo preço de 5 €.

sábado, agosto 25, 2018

RUA DO SOL AO RATO


Ontem, em Lisboa, dei com isto:



O imóvel é de linhas arrojadas e na parede lateral figura um painel de azulejos. Como seria a toca do velho Castilho de «bom senso e bom gosto»? Acontece - assinalável coincidência - que tinha acabado de comprar as Odes Modernas do Antero:

O Passado! essa larva macilenta,
Misto de podridão, tristeza e sombras,
Se morreu...ressurgiu do seu sepulcro!
Bem o vemos andar, pavonear-se
Entre nós, nos vestidos ilusórios
Da triste morte, arremedando a vida,
Passar - e sobre a fronte desse espectro
Bem se vê uma sombra de tiara
Ou de coroa, ao longe, branquejando!


quinta-feira, agosto 23, 2018

PINACOTECA

RAFAEL, O Triunfo de Galateia (1514), afresco, Villa Farnesina, Roma.

«É a cabeça de uma Virgem de Rafael no corpo da sua Galateia» - o senhor marquês dos Arcis para a senhora de La Pommerayde a propósito da menina d´Aisnon. Em Jacques o Fatalista, de Diderot.


domingo, agosto 19, 2018

quarta-feira, agosto 15, 2018

INSTANTÂNEOS

Cascais, área de restaurantes do centro comercial.
Bicou o arroz e a salada, mas não tocou na cerveja.



segunda-feira, agosto 13, 2018

TOPÓNIMOS

Ericeira, 12-8-2018
Lápide existente no nº 35 da Rua de Baixo: «Nesta casa viveu JOSÉ CARDOSO PIRES com os seus amigos. A sua escrita e a dignidade solitária de um dos maiores escritores do nosso tempo. Maio 99. M.V.S.»



sábado, agosto 11, 2018

PERIGO DE GALGAMENTO

Há que ficar atento às ondas com sereias
dentro. A horas certas, elas galgam
por cima das mais indefectíveis solidões.
Prodigiosos galgamentos! E os ponteiros
do coração, esse relógio doido,
não dão conta do perigo.

Ericeira, 11-8-2018

quarta-feira, agosto 08, 2018

CARIDADE DE GIOTTO e MAOMÉ II DE BELLINI

Afresco do conjunto As Virtudes e os Vícios, de Giotto, existente na Cappella degli Scrovegni, em Pádua. No primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, a personagem Charles Swann atribui à ajudante da cozinheira Françoise o apodo de "Caridade de Giotto". A rapariga seria parecida com a figura criada pelo pintor italiano para representar aquela virtude. Swann, amante da arte, tanto quanto de Odette de Crécy, nunca perdia a oportunidade de associar as pessoas que conhecia às figuras criadas pelos grandes mestres. Noutra passagem do primeiro volume, Bloch, amigo do jovem narrador, é identificado como Maomé II de Bellini: « Oh, impressionante, tem as mesmas sobrancelhas circunflexas, o mesmo nariz adunco, as mesmas faces salientes. Quando tiver uma barbicha será a mesma pessoa.»

terça-feira, agosto 07, 2018

"UMA NOITE COM O FOGO"

ANTÓNIO MANUEL VENDA nasceu em Monchique em 1968. O relato autobiográfico Uma Noite com o Fogo, publicado em 2009, move-se em torno de uma dessas calamidades que regularmente assolam a serra algarvia. Um livro actual, portanto. Releio o capítulo da águia que voava com o fogo nas penas: um apontamento talvez real, talvez simbólico.


segunda-feira, agosto 06, 2018



Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele, a figura volúvel da mulher sublime, que aquela não realizou. Os mais felizes ignoram em si mesmos estas suas disposições frustradas; os menos felizes não as ignoram, mas não as conhecem, e só um ou outro arranque fruste, uma ou outra aspereza no trato, evoca, na superfície casual dos gestos e das palavras, o Demónio oculto, a Eva antiga, o Cavaleiro e a Sílfide.
= Bernardo Soares, O Livro do Desassossego.