sexta-feira, novembro 29, 2013

LE ROUGE ET LE NOIR

La petite ville de Verrières peut passer pour l'une des plus jolies de la Franche-Comté. Ses maisons blanches avec leurs toits pointus de tuiles rouges, s'étendent sur la pente d'une colline, dont des touffes de 
vigoureux châtaigniers marquent les moindres sinuosités. Le Doubs coule à quelques centaines de pieds
au-dessous de ses fortifications bâties jadis par les Espagnols, et maintenant ruinées. (Stendhal)

quinta-feira, novembro 28, 2013

ALFREDO TRONI (Coimbra, 1845 - Luanda, 1904). A novela "NGA MUTURI"


Uma novela do século XIX (1882) cuja acção decorre na sociedade luandense, focando as relações entre colonos e colonizados.  Diz-nos  Carlos Ervedosa (in Roteiro da Literatura Angolana) que “o Dr. Alfredo Trony, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, residiu em Luanda durante muitos anos e aqui faleceu em 1904. Fundou e dirigiu os periódicos Jornal de Loanda, em 1878, o Mukuarimi (palavra quimbunda que em português significa linguareiro, falador, maldizente), 188(8)?, e Os Concelhos de Leste, em 1891.”
Discute-se hoje se esta novela é precursora oitocentista da ficção angolana ou se deve ser considerada simplesmente como literatura colonial. O facto é que foi recentemente publicada em Luanda, integrada numa colecção de clássicos da Literatura Angolana.
À parte as diferentes perspectivas que em relação a ela se colocam, é um texto nitidamente influenciado pelo realismo queirosiano que se lê com agrado e proveito. Foi o que fiz recentemente na Bibiloteca Nacional.
 

quarta-feira, novembro 27, 2013

IMAGENS DA RUA

Hoje, ao princípio da noite, no Campo Pequeno. De um lado, às portas da praça, filas de espera para o concerto da banda heavy metal AVENGED SEVENFOLD. Do outro, na margem da avenida, uma manifestação contra a prova de avaliação dos professores contratados. ESTÁ NA HORA, ESTÁ NA HORA DO CRATO SE IR EMBORA!  



 

sábado, novembro 16, 2013

"ORFEU REBELDE"


"Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a vós assim, num desafio:
(...)"

MIGUEL TORGA, Orfeu Rebelde, 2º edição revista, Coimbra, Edição do Autor, 1970.

sexta-feira, novembro 15, 2013

"AMIGOS SINCEROS"

"Mas, se este livro te pertence, é porque o seu problema central foi por nós vivido em Coimbra. O debate entre a inteligência e a vida era o nosso debate. O debate entre a Alma e o Espírito, como diz Claudel, ainda é hoje o nosso debate. Lá tu eras a inteligência, o Espírito, eu era vagamente a vida, a Alma. Depois separámo-nos e tu foste subindo cada vez mais, através do Espírito para a Alma. «Un jour qu´Animus rentrait á l´improvise... il a entendu Anima qui chantait toute seule, derrière la porte fermée, une curieuse chanson», como diz Claudel. Ouviste a canção e ficaste a ouvi-la. Eu ainda não pude entendê-la."
 
Da dedicatória a JOSÉ RÉGIO, Lisboa, 18/4/1941.

terça-feira, novembro 12, 2013

ARTE MURAL

Imagens obtidas ontem em Lisboa, nas Escadinhas de S. Cristóvão, em plena vadiagem festiva da noite de S. Martinho.
 

segunda-feira, novembro 11, 2013

UM TRASLADO POLITICAMENTE INCORRECTO - Do feicebuque


JANE BIRKIN e SERGE GAINSBOURG durante os anos 60. Uma idade de ouro em que não havia défices excessivos e dívidas soberanas insustentáveis, quando os mercados financeiros eram mais pacíficos que Silenos adormecidos. A maioria dos políticos que hoje governam o país eram crianças de tenra idade ou ainda nem tinham nascido e, por isso, não faziam mal nem davam preocupação a ninguém: limitavam-se a dar uns pontapés na barriga da mãe, a obrar o seu cocó na fralda ou, quando muito, a armar alguma cena de arranhões e puxões de cabelos no recreio do jardim-escola. Aquilo, sim, é que eram tempos!
 
 

sexta-feira, novembro 01, 2013

CIÚMES*

Imagem de Santo Expedito numa igreja de Bordéus. Fotografia de Agosto de 2013.
 
– Poço de mentiras, traiçoeiro, falso como Judas, gordo sem vergonha, homem feio, infiel, cão que não conhece o dono, desgraçado, doença ruim, desassossego meu…
O manancial de epítetos e invectivas jorrava da boca de D. Joanina sobre a pessoa do seu até aí amado esposo João Baltasar Amador, técnico oficial de contas, homem um bocado obeso, com o ácido úrico a vogar em maré alta, pedras nos rins, e, por isso, já com um episódio de cólica renal com direito a urgência hospitalar. Cavalheiro à beira dos sessenta, parecia não quebrar um prato, mas a fazer fé na informante, D. Capitolina da Conceição, senhora muito dedicada às obras de caridade do centro paroquial, andava a partir a loiça toda com uma tal Sofia dos Prazeres, empregada do seu escritório de contabilidade e assessoria fiscal, mulher de boas carnes e olhos vivos, quarenta e cinco anos de idade, e, julga-se, muito carente de homem e de todos os deleites que a espécie costuma proporcionar. Por isso D. Joanina vituperava:
– Poço de mentiras, traiçoeiro, falso como Judas, gordo sem vergonha, homem feio, infiel, cão que não conhece o dono, desgraçado, doença ruim, desassossego meu…
E alternava as expressões insultuosas com ameaças duras, impróprias de quem vive os mistérios da fé e marca presença em todos os retiros de formação cristã:
 – Faço-lhe um feitiço, ponho-lhe os cornos, lixo-lhe a vida…
Enfim, coisas que se dizem. Não acreditemos na sinceridade de tudo o que ouvimos, palavras debitadas pela cólera, humores atrabiliários a que é preciso dar o devido desconto. Será?
Temos então D. Capitolina da Conceição, senhora mais séria não pode haver, a língua a verter o veneno no ouvido de D. Joanina. Soubera do caso por uma prima que trabalha no dito escritório, mulher honestíssima, incapaz de uma falsidade, e  a esta lhe dissera a empregada da limpeza, que exerce o seu mester a horas em que o pessoal do escritório já saiu, ou ainda não entrou, coisa perfeitamente natural, imagine-se como seria problemático limpar o pó dos computadores em pleno tráfego de dados, com os programas abertos e em laboração: “Dê-me licença por favor, minimize aí esse programa, fique um bocadinho à espera que tenho de passar o pano no teclado.” Enquanto limpa e não limpa, podia desarranjar-se o trabalho informático: um inadvertido delete, um indesejado enter, e seria preciso começar tudo de novo, voltar ao menu do programa, seleccionar a opção, introduzir os dados, gravá-los, premir teclas e afagar o rato, sabe-se lá os custos de tais complicações, o tempo que se perderia para as superar.
Pois parece que naquele fim de dia nem todo o pessoal tinha saído. O Amador mais a Prazeres estavam enrolados no gabinete da gerência às beijocas e aos apalpanços, maneira de falar da citada empregada de limpeza, desculpemos-lhe a linguagem bárbara pois ninguém lhe paga para falar bem, apenas para limpar o pó e passar o chão a pano.
D. Joanina pensou deixar o marido. Contudo, uma decisão tão drástica não seria tomada sem antes se aconselhar com o senhor prior, com o sacristão, com uma ou outra senhora das obras de caridade. Provavelmente iria para casa da irmã, mulher que nunca casara e agora, com a idade, estava a necessitar de uma companhia. Havia de se governar, não podia era viver com a infâmia, ela que o trazia num brinquinho, as camisas de vasto pano sempre engomadas, impecavelmente brancas, até parecia milagre daqueles detergentes da televisão, as calças limpas e vincadas, os casacos, as gravatas, os sapatos, tudo numa beleza. E os mimos ao jantar?,  pescada de maionese, bifes com molho de natas, sobremesas de chocolate. Na cama é que era o diabo: não a puxava o desejo para as delícias da carne , devia ser da menopausa e dos afrontamentos, e o homem ainda por cima estava cada vez mais gordo, aquilo não dava jeito nenhum.
D. Joanina foi falar com o senhor prior.
–Minha filha, obedece ao teu marido e não contribuas para o desmoronamento do santo matrimónio. Se ele te despreza ama-o ainda mais, a ovelha tresmalhada voltará ao redil, infinita é a bondade do Senhor, insondáveis são os seus desígnios, grandes são os pecados dos homens, maior o perdão de Deus, amém.
D. Joanina foi falar com uma senhora das obras de caridade do centro paroquial.
– Do que ele precisa sei eu, é que lhe calce uns patins o mais depressa possível, homens não faltam, velhos e mal-agradecidos, não são nada sem nós. Se o meu me fizesse uma coisa dessas ia logo a andar. Mas também não sei quem é que queria pegar naquilo, só se fosse pelo dinheiro, já não dá uma para a caixa.
D. Joanina foi ainda falar com outra senhora.
– Um marido faz muita falta, minha querida. Depois de um pode vir outro pior. Já não estamos em idade de andar a mudar. Vai ver que aquilo passa. Continue a tratá-lo com afecto, tudo se irá compor. Faça umas orações a Santa Teresinha, a Nossa Senhora, ou, melhor ainda, a Santo Expedito das causas justas e urgentes, e não se meta em bruxarias, não, não fale com o sacristão, é um atrevido sem vergonha, se soubesse o que ele já tentou comigo… Só que não conseguiu nada, sou uma mulher séria, de um só homem, a mim não me toca nem num cabelo. Estar de bem com o Senhor é uma coisinha muito boa, Deus nos livre do pecado.
Ficou confusa com as palavras dos conselheiros. E se não fosse verdade?, se tudo não passasse de um engano e nada de ofensivo tivesse sido feito pelo esposo? Nunca se queixara dele, sempre parecera pessoa de uma só cara, mas a realidade é que não a procurava há muito tempo, adormeciam de costas voltadas, estava completamente desinteressado. Mesmo um homem na mudança da idade havia de dar algum sinal de si. Só que não dava, andava a governar-se por outro lado, isso é que era. Ultimamente era muito exigente com a roupa interior, tinha mandado comprar cuecas novas, de linha moderna, artigo de primeira qualidade, bem difícil de encontrar em medida tão avantajada como a sua. E enquanto se alongava nestas conjecturas, o ciúme mordia-lhe o estômago como uma úlcera brava. A pouco e pouco dissipavam-se as dúvidas, apagavam-se os ses e os mas. Não há fumo sem fogo. E repetia para si:
– Poço de mentiras, traiçoeiro, falso como Judas, gordo sem vergonha, homem feio, infiel, cão que não conhece o dono, desgraçado, doença ruim, desassossego meu…
E foi aconselhar-se com o sacristão, homem seco de carnes, cinquenta anos, ainda vigoroso, um sorriso insinuante. Palavra atrás de palavra, a conversa a descair para a desgraça, trocam-se as voltas ao tema.                                            
Foi na sacristia, encostada ao arcaz, sob a imagem de Santo Expedito, taumaturgo das causas justas e urgentes, imagem trazida de França por uns peregrinos de Lurdes, ali deixada por não haver nicho vacante na nave da igreja. Era à hora em que devia estar na cozinha a preparar o jantar do marido, que logo chegaria a casa com a fome do costume, cansado do dia de trabalho no escritório de contabilidade e assessoria fiscal, regurgitando débitos e créditos, retenções na fonte,  demonstrações de resultados, descontos de letras, receitas financeiras correntes, estornos, acréscimos e diferimentos, extractos bancários, juros acumulados, amortizações e reintegrações. Mas hoje teria de esperar, paciência, já estavam fechadas as portas da igreja, não passaria daquele dia, causa justa e urgente, ali encostada ao arcaz da sacristia, sob o olhar esbugalhado do santo empunhando a cruz milagreira com a palavra latina hodie, que quer dizer hoje e não amanhã, incrédulo e infinitamente pesaroso com o que os seus olhos viam, o distúrbio da alma e a fraqueza da carne, o engano, a traição, tão atormentado como no dia em que se deparou com o corvo maligno a tentar desviá-lo dos caminhos de Deus. E, sacrilégio supremo, o sacristão paramentado como se fosse ajudar à missa, e a pecadora repetindo incessantemente numa litania ímpia aquele cúmulo de palavras contra o legítimo esposo:
– Poço de mentiras, traiçoeiro, falso como Judas, gordo sem vergonha, homem feio, infiel, cão que não conhece o dono, desgraçado, doença ruim, desassossego meu….
 
* Publicado neste blogue em 2006. 2ª edição.