domingo, julho 27, 2008

A IMPERTINÊNCIA DE SENTIR ( IV )

Afinal, por aquilo que tenho ouvido, O Crime do Padre Amaro é, muito mais que o romance realista de um padre sedutor e de uma infeliz donzela seduzida, uma prodigiosa história de amor a lo divino, parente afastado, digo eu, da poesia místico-erótica de San Juan de la Cruz e de algumas novelas religiosas de Sóror Violante do Céu e de Leonarda Gil da Gama.
Lembremo-nos de que Amélia, à noite, quando recolhia ao seu quarto exaltada pelos serões familiares onde Amaro pontificava, se punha a ler os Cânticos a Jesus, um livrinho devoto em que o Filho de Deus é invocado segundo um erotismo de alucinação: Oh! Vem, amado do meu coração, corpo adorável, minha alma impaciente quere-te! Amo-te com paixão e desespero! Abrasa-me! Queima-me! Vem! Esmaga-me! Possui-me! (Cap. VI).
Por outro lado, no Capítulo XVIII é Amaro que erotiza a sacra representação de Nossa Senhora, colocando sobre os ombros de Amélia a capa de cetim azul, bordada de estrelas, que devia adornar a imagem da Virgem: Oh filhinha, és mais linda que Nossa Senhora – diz.
Tudo requebros que nos chegam dos Santos Evangelhos: Maria Madalena lavando os pés do Senhor, secando-os com os seus cabelos perfumados; a Samaritana dando de beber (ou dando-se a beber) a Jesus junto do poço de Jacob.
Hoje, felizmente, são mais terrenos entre os ministros de Deus os inexoráveis apelos da carne. Já dizia o Padre-Mestre a Amaro no citado Capítulo XVIII: Homem! É o que a gente leva de melhor deste mundo!

D.E.