terça-feira, setembro 21, 2010

MÁXIMAS

"É sabido que o orgulho da mulher, uma vez ferido, não cicatriza nunca."

Lido em Agustina Bessa-Luís, Fanny Owen.

domingo, setembro 19, 2010

CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890)


Em Camilo sempre me impressionou a sua capacidade de efabulação, o poderoso domínio da língua e o conhecimento que demonstrava ter dos grandes vultos da literatura do seu tempo, desde Eugène Sue, de quem foi largamente tributário, até ao Balzac da “Comédia Humana”.
Confesso que por vezes senti em relação ao escritor de S. Miguel de Ceide uma espécie de admiração envergonhada. Eça era sempre o Eça, mesmo com prosas bárbaras e histórias de santinhos milagreiros; Júlio Dinis, via-o como um astro desintegrado antes de chegar ao zénite; Garrett e Herculano, pais do nosso Romantismo, firmavam-se-me como combatentes da liberdade, exumadores da História e dos vínculos da nacionalidade portuguesa. Camilo, porém, o que era?
Em Agosto de 2009 e Maio de 2010 estive na Casa de Camilo em S. Miguel de Ceide. Talvez, dito de outra maneira, na casa do comerciante Manuel Pinheiro Alves, marido de D. Ana Plácido, mulher que pagou na Cadeia da Relação do Porto, tal como Camilo, o crime de adultério, intolerável à luz da moral burguesa do século. Um pouco antes, tinha lido “Camilo Broca” de Mário Cláudio e folheado “O Penitente” de Teixeira de Pascoaes, textos biográficos sobre o escritor de “Amor de Perdição”. Pela mesma altura, meti-me em “Eusébio Macário” e “A Corja”, novelas em que o ultra-romântico imita o estilo da nova escola realista de Eça de Queiroz. Escritos e publicados estes livros, parece que terá dito, em jeito de gozo, algo de parecido com o seguinte: “É tão fácil escrever neste estilo, que até eu consegui”.
Nestas últimas semanas, voltei ao convívio camiliano. Na Comunidade de Leitores de S. Domingos de Rana lê-se “Fanny Owen” de Agustina Bessa-Luís, drama vivido pelo novelista num triângulo amoroso que Manuel de Oliveira levou para o cinema com o título de “Francisca”. Em “Duas Horas de Leitura” e, sobretudo, em “No Bom Jesus do Monte”, Camilo explica-se, mas não convence. Pequenas não deverão ter sido as suas responsabilidades no desfecho da história de amor entre Francisca Owen e José Augusto Pinto de Magalhães.
Entretanto, por outras válidas razões, vieram-me às mãos os dois primeiros romances da trilogia camiliana a que Alexandre Cabral chamou o Ciclo da Felicidade: “Onde Está a Felicidade?”, que teve o acolhimento entusiástico de Herculano, e “Um Homem de Brios”. Deixei para outras núpcias o terceiro livro, “Memórias de Guilherme do Amaral”. Esta série romanesca, com laivos autobiográficos, é escrita em plena fase da sua maturidade literária. O escritor está no auge da criação, é uma figura reconhecida que publica nos jornais e edita em livro.
Conhecedor da literatura europeia, em especial da francesa, Camilo foi um homem que não viajou fora do país, assim como não viajaram José Régio e Fernando Pessoa (embora este tenha passado parte da infância e a adolescência na África do Sul). Além das fronteiras de Portugal, conheceu apenas, e por mero acaso, os caminhos entre Vigo e a província do Minho, quando, por morte do pai, deixou Lisboa para ser entregue a familiares de Vila Real e o vapor em que viajava, não conseguindo vencer o mau tempo à entrada da barra do Douro, teve que ir aportar àquela cidade da Galiza. Era menino e não mais voltou a sair de Portugal.
Temos então um homem que não viajou, que não fez estudos superiores, e que, no amor, raptou, traiu e abandonou as suas amadas; um homem que sovou e foi sovado, que conviveu com criminosos e de tal deixou testemunho nas suas “Memórias do Cárcere”; um diabo de língua e pena afiadas, vituperador da burguesia, do império do dinheiro e dos barões feitos à pressa, mas que não enjeitou o título que lhe foi concedido de visconde de Correia Botelho, nome ancestral da sua família; em suma, um homem múltiplo, estranho e complexo, um feixe de paixões e sentimentos imoderados.
Uma peixeira da Póvoa de Varzim, praia onde costumava estanciar por causa de maleitas que o afligiam, ter-lhe-á chamado, devido às bexigas que lhe desfeavam o rosto, “cara de areia mijada”. Como a peixeira não era a princesa Rattazzi, o novelista engoliu em seco e não foi capaz de responder. Estava habituado a demolir com a sua verve a prosápia dos ricos e dos poderosos, não sabia dirigir palavras más a uma mulher do povo.

quarta-feira, setembro 08, 2010

MANUEL TEIXEIRA GOMES (1860-1941)


Ando a ler os escritos literários desta personalidade invulgar, algarvio de Portimão, figura grada da República cujo centenário ora se festeja. Diletante e requintado, representante de interesses comerciais familiares (um pouco à semelhança de Cesário Verde) que o levaram a viajar pela Europa, afirmou-se como amante do belo, epicurista com arremetidas de estóico, criador de histórias eróticas e de narrativas de viagens.
Foi ministro plenipotenciário em Londres a seguir à implantação da República (a Londres de Jorge V, onde se exilara D. Manuel II e onde pairava ainda a sombra do Marquês de Soveral). Foi Presidente da República entre Agosto de 1923 e Dezembro de 1925. Retirado em Bougie (ou Bejaïa) na Argélia (qual Vale de Lobos de Herculano), aí morreu.
A sua primeira obra, “Inventário de Junho”, publicada aos trinta e nove anos, abria com uma curiosa advertência: ESTE LIVRO NÃO TEM UTILIDADE NO COMÉRCIO…