terça-feira, fevereiro 28, 2017

D. QUIXOTE E OS MOINHOS

AMADEO DE SOUZA-CARDOSO, Le Moulin, tinta-da-China e guache s/ papel. Desenho exposto no Porto e em Lisboa nas exposições individuais de 1916 e 2017. (Museu Calouste Gulbenkian - Colecção Moderna.)
 

domingo, fevereiro 26, 2017

ALEXANDRE CABRAL, MEMÓRIA DE UM RESISTENTE

Exposição no Museu do Neo-Realismo ( 25 de Fevereiro – 25 de Junho de 2017) comemorativa do centenário do lutador político, escritor, artista plástico e grande camiliano. Na foto, desenho de D. Ana Plácido feito na cadeia do Aljube em 11 de Dezembro de 1963. Estão expostos todos os desenhos do período em que esteve preso.
 

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

DE CAMPANHÃ A POMBAL

Estação de Campanhã, 23-2-2017
Está sentada ao meu lado, pouca-terra, pouca-terra, tínhamos saído de Campanhã há uns minutos. Abro o Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, mas não consigo ler. Como é que eu sei onde é a estação de Pombal?, pergunta, é de noite e não se vê nada para fora. Respondo: Está descansada que eles avisam, ouve o que estão a dizer agora: Próxima estação, next stop, Espinho, nunca falha, avisam em todas as estações. Tranquilizou-se. Entretanto, recebe um telefonema da mãe: Vou no comboio para casa da minha amiga, volto na quarta-feira à noite. Julgo ouvir a pergunta da mãe: Ó filha, mas tu tinhas dinheiro para o bilhete? A minha amiga pagou-me o bilhete, responde, e a mãe parece não acreditar. Olha, mãe, acredita no que quiseres, a minha amiga convidou-me, e no Carnaval não há aulas… Digo-lhe que Pombal é a seguir a Coimbra, não há que enganar, mas ela vai formosa e não segura, tem medo de deixar passar a estação mais a amiga que a espera. Agora o comboio abranda e pára num descampado da via. Pombal é aqui?, pergunta.  Ó miúda, isto não é estação, o comboio parou porque tinha de parar, tem calma que eu sei onde é, se eles não avisarem, eu aviso-te, ok? Finalmente, next stop Pombal. Levanta-se, passa por mim com um sorriso e sai para a noite da gare arrastando o saco e a mala do computador. Está vestida de sombra, mas as asas de pomba vão radiantes de luz.  
 

terça-feira, fevereiro 21, 2017

SONHO, SONHO-ME, SOU SONHADO

Foto de 21-2-2017

Em 1983, a 27 de Março, Jorge Luís Borges publica no jornal La Nación o conto “Vinte e Cinco de Agosto, 1983” em que profetiza o seu suicídio para esta data. Neste conto há dois Borges, e um diz para o outro: «Quem sonha quem? Eu sei que te sonho, mas não sei se me estás a sonhar.» O que tem isto a ver com um livro que agora releio – O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa – é o que se verá dentro de dias na sessão da Comunidade de Leitores de S. Domingos de Rana, Cascais. Pode parecer estranho, mas há leitores que se reúnem para discutir os livros que lêem.   




segunda-feira, fevereiro 20, 2017

O TIRANO DEUS CUPIDO



Tendo professado no convento da Rosa de Lisboa, situado na Costa do Castelo e destruído pelo terramoto de 1755, sóror Violante do Céu (1607-1693) distinguiu-se pela sua poesia de expressão amorosa, não tanto de amor ao “Divino Amante”, como algumas religiosas suas contemporâneas, mas ao amante carnal que  se apresentava às grades do convento e nele era recebido como na intimidade de uma alcova.  Ora veja-se este belo soneto:

Que suspensão, que enleio, que cuidado
é este meu, tirano Deus Cupido?
pois tirando-me enfim todo o sentido
me deixa o sentimento duplicado.

 Absorta no rigor de um duro fado,
tanto de meus sentidos me divido,
que tenho só de vida o bem sentido,
e tenho já de morte o mal logrado.

Enlevo-me no dano que me ofende,
suspendo-me na causa de meu pranto,
mas meu mal (ai de mim) não se suspende.

Oh cesse, cesse, amor, tão raro encanto,
Que para quem de ti não se defende
Basta menos rigor, não rigor tanto.



sábado, fevereiro 18, 2017

CONGRESSO INTERNACIONAL "REVISTA PRESENÇA: 90 ANOS DEPOIS" - Anfiteatro III, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 9 e 10 de Maio de 2017

A série II da revista presença (apenas dois números, o primeiro publicado em Novembro de 1939 e o derradeiro em Fevereiro de 1940) foi a tentativa de reanimar uma revista esgotada em termos programáticos e de intervenção numa altura em que a censura do Estado Novo apertava o cerco às publicações não alinhadas pelos seus ditames ideológicos.

No editorial do nº 1 da série II – “Presença reaparece” – , um texto não assinado mas saído claramente da pena de José Régio, são convidados para a revista todos os «verdadeiros artistas, críticos ou pensadores de qualquer escola, idade, classe», convite extensivo à geração neo-realista que, aliás, havia já colaborado em números anteriores com textos poéticos de Joaquim Namorado, Fernando Namora, João José Cochofel e Mário Dionísio.  

Não se duvida da sinceridade da proposta, mau grado as divergências que se iam cavando entre Adolfo Casais Monteiro e João Gaspar Simões, servindo José Régio de mediador, na verdade nem sempre isento.

José Régio queria sangue novo na revista, e até “sangue velho”, se se tiver em conta o convite feito aos cisionistas de 1930 (Branquinho da Fonseca, Edmundo Bettencourt e Adolfo Rocha /Miguel Torga), convite que os dois primeiros se dispuseram a aceitar.

Roberto Nobre – artista plástico, cineasta e crítico de cinema –, grande amigo de Ferreira de Castro, era desejado por Régio na presença. Numa carta para Alberto de Serpa, datada de Junho de 1939, diz o poeta: «Quanto ao Roberto Nobre, não o convidei ainda, pelo menos categoricamente, porque exactamente o Adolfo não concordava. E sabes porquê? Porque o Nobre saíra do Diabo à chegada destes que lá estão agora; e o Adolfo não aprovara tal atitude, e achava que era “andarmos aos caldos” (a expressão é dele) convidarmos o nosso melhor crítico cinematográfico.  Calei-me… provisoriamente. Não desisto, nunca desistirei, de ver o Nobre na presença… se a presença resistir a estes embates.»

Não resistiu, acabou ao 13º ano de publicação. No próximo mês de Março completam-se 90 anos sobre o aparecimento da “folha de arte e crítica” coimbrã, estando anunciado para 9 e 10 de Maio um congresso na Faculdade de Letras de Lisboa, organização do Centro de Estudos Regianos e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias daquela faculdade. Será a oportunidade de se realizar mais um debate sobre a vida e morte da revista que mostrou Fernando Pessoa aos leitores portugueses, tendo contribuído de forma decisiva para a renovação estética da arte e da literatura portuguesas no segundo quartel do século XX.     
 
 
 

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

A FLOR DO PRINCIPEZINHO

 

No asteróide do principezinho havia embondeiros, três vulcões e uma flor com quatro espinhos.

«Nunca lhe devia ter dados ouvidos», dizia ele sobre a flor, para logo continuar: «Nunca se deve dar ouvidos às flores. Deve-se é olhar para elas e cheirá-las. A minha, perfumava-me o planeta todo, mas eu não era capaz de dar valor a isso.»
Sim, é certo que há flores com espinhos, mas o pior que pode acontecer é não se chegar a cheirá-las, belas e assustadoras que tantas vezes se apresentam. E acrescentava: «Não fui capaz de entender nada. Devia tê-la avaliado não pelas suas palavras, mas pelos seus actos. Ela perfumava-me e dava-me luz! Eu nunca devia ter fugido! Devia ter sido capaz de perceber toda a ternura escondida naquelas suas pobres manhas. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para saber amar.»
O principezinho fugiu por não saber amar. Esta não parece ser uma história para crianças e, no entanto, como tal foi recebida em Nova Iorque naquele ano de 1943, quando não se sabia bem para que lado das trincheiras cairia o vasto planeta chamado Terra, mundo infinitamente maior e mais complicado que o asteróide dos embondeiros, dos três vulcões e da flor com quatro espinhos.
José Régio chamou ao seu livro O Príncipe com Orelhas de Burro uma história para crianças grandes. O Principezinho, para além de interessar aos mais pequenos, é uma história para homens que não perderam a memória de terem sido crianças, ou, de outra forma, para a criança que há dentro de cada homem, assim sejam eles capazes de a encontrar.
Na Terra, o principezinho viu campos com milhares de rosas e compreendeu que nenhuma se comparava à sua flor de quatro espinhos. Às vezes acontece compreender-se demasiado tarde o que está mesmo diante dos olhos.



terça-feira, fevereiro 14, 2017

FRAUTA MINHA, QUE TANGENDO (2)

Foto de 14-2-2017

Lido em Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro: « (…) ainda que fosse possível imaginar um mundo sem arte, sem obras que a exprimissem, jamais seria imaginável um mundo entendido fora do sentimento estético, fora da qualidade emotiva que no-lo explica  à nossa relação humana com ele.»
 
O rio com os seus veios de sal e escamas. Uma bátega pontilhando de azul a superfície da água. Ao longe, sobre a campina, revoluteia um bando de estorninhos. Dois caiaques passam junto à margem em remadas rápidas. Como um barco, a tarde aponta a proa de sombra à foz do dia.