domingo, dezembro 29, 2019

A ESPUMA DOS DIAS : AVENTURAS NAS REDES SOCIAIS (2)


Tropecei numa página do facebook: "O Juiz Carlos Alexandre". Segundo se informa, a página tem 11452 seguidores, o que até não é coisa de monta tendo em conta a personalidade em causa. São indicadas algumas páginas relacionadas, supostamente interessantes para quem se interessa por esta: "Todos a Apoiar o Super Juiz Carlos Alexandre", "Super-procurador Rosário Teixeira" e "Pedro Passos Coelho Sempre"... 
O último "post" é de 27 de Dezembro às 21:24. Tem uma fotografia do deputado André Ventura com as seguintes palavras do próprio: «Mas com que fundamento o conselho de Estado contornou o pedido do juiz Carlos Alexandre para um depoimento presencial?» Depoimento presencial de António Costa no processo de Tancos. Curiosa a expressão contornou. 
Até há poucos minutos, o "post" tinha recebido 46 likes (polegar ao alto e coração) e apenas 4 comentários, 3 deles filtrados, pois não estão visíveis. Esperava mais...
Fiquei desiludido e não vou voltar àquela página de apoio ao juiz. No facebook, há páginas de grupos mais apelativas e frequentadas. Dou exemplos: "Novo Amor depois dos 40", 114227 membros; "Preces Espíritas Allan Kardec", 773212 membros; "Cantinho do Amor", 426 mil membros; "Trintões, Quarentões e Cinquentões", 524311 membros... Por esta, podemos fazer uma ideia de como a população está a envelhecer. 

terça-feira, dezembro 24, 2019

MISSA DO GALO

 
Conto de MACHADO DE ASSIS, não sei quantas vezes já o li. O narrador, de dezassete anos, tem uma conversa com a sua hospedeira, Dona Conceição, de trinta. O marido tinha ido para o teatro na noite de Natal, eufemismo usado pelo próprio para as suas surtidas de adúltero. O jovem, estudante de preparatórios para a universidade, esperava pela meia-noite para ir com um vizinho à missa do galo. Nunca compreendeu a conversa que teve com Dona Conceição, senhora de tão boa índole que até lhe chamavam "a santa". A conversa sobrepôs-se à leitura de Os Três Mosqueteiros que pensava tomar até à hora da missa. Diz ele: «Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.» Se o narrador não conseguiu perceber o sentido exacto da conversa, como havemos nós de o saber? Mas ainda bem, assim há sempre motivos para voltar ao conto.

domingo, dezembro 22, 2019

EPITÁFIO PARA UM POETA

As asas não lhe cabem no caixão!
A farpela de luto não condiz
Com seu ar grave, mas, enfim, feliz;
A gravata e o calçado também não.
Ponham-no fora e dispam-lhe a farpela!
Descalcem-lhe os sapatos de verniz!
Não vêem que ele, nu, faz mais figura,
Como uma pedra ou uma estrela?
Pois atirem-no assim à terra dura,
Ser-lhe-á conforto:
Deixem-no respirar ao menos morto!

JOSÉ RÉGIO (1901 - 22 de Dezembro de 1969), Filho do Homem (1961).


A ESPUMA DOS DIAS : AVENTURAS NAS REDES SOCIAIS (1)


MIGUEL LOBO ANTUNES, jurista e gestor cultural, antigo administrador do CCB e da Culturgest, é uma pessoa estimável com presença diária no facebook. Nesta rede, tem 4948 amigos, muitos de áreas artísticas e culturais, entre eles Jorge Silva Melo, Chucha Carvalheiro, António Pinho Vargas, Ana Vidigal, Fernanda Câncio… Publica música partilhada do YouTube, faz comentário político e cultural, exprime estados de alma… Também dedica especial atenção ao cinema, sendo de notar que recentemente participou como actor no filme Technoboss, de João Nicolau. O seu perfil indica que estudou na Faculdade de Direito, vive em Lisboa e está "numa relação".
Ontem, foi o dia do seu aniversário, tendo publicado às 12.16 a foto de um porta-chaves –  presumível presente – com os seguintes dizeres: BELHOTE O CARALHO! O senhor não é novo, claro, mas é de muito mau gosto chamar-lhe velho como se já tivesse adentrado os aposentos roxos da senectude.
Até há poucos minutos, o “post” tinha recebido 321 likes (cara de riso, polegar ao alto e coração) e 110 comentários (risíveis, sérios, apaixonados) – todos inteiramente justos pela dignidade da data e pela inocência metálica do porta-chaves falante.
Os meus parabéns atrasados ao aniversariante e votos de muita força e boa disposição para continuar a “postar”. Os amigos agradecem... e o Zuckerberg também.

quinta-feira, dezembro 19, 2019

VIAGENS (7)

«Cada vez que viajo, viajo imenso. O cansaço que trago comigo de uma viagem de comboio até Cascais é como se fosse o de ter, nesse pouco tempo, percorrido as paisagens de campo e cidade de quatro ou cinco países.» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Fotos de 15 de Agosto de 2013. O viajante partiu de Bordéus, estação ferroviária de Saint-Jean, e desceu em Castillon-la-Bataille, local onde a 17 de Julho de 1453 se deu a última batalha da Guerra dos Cem Anos. A partir deste ponto, fez uma caminhada de três horas para chegar à Torre de Montaigne. Foi nesta torre que Michel de Montaigne, retirado da vida pública, escreveu e rescreveu os seus Ensaios, meditando sobre a vida e a condição humana, tentando conhecer-se a si próprio e conhecer os outros. Que sais-je?, era a sua divisa.  A 1º edição dos Ensaios - obra que influenciará pensadores de Pascal a Nietzsche - é de 1580.

terça-feira, dezembro 17, 2019

CHAMAM-LHE A MUSA DE GODARD

Faleceu no sábado em Paris com a idade de 79 anos. ANNA KARINA. Aqui no filme Le Petit Soldat (1963), de Jean-Luc Godard.


sexta-feira, dezembro 13, 2019

VIAGENS (6)

«Ah, viajem os que não existem! Para quem não é nada, como um rio, o correr deve ser vida. Mas aos que pensam e sentem, aos que estão despertos, a horrorosa histeria dos comboios, dos automóveis, dos navios não os deixa dormir nem acordar.» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Acqua alta em Veneza, fotos de Novembro de 2019.


quinta-feira, dezembro 12, 2019

AO REVÉS DOS TEMPOS...

Biografia, segundo livro de poemas de José Régio. Na imagem, capa (de Julio) da primeira edição de 1929. Um livro em construção: a primeira edição com 32 sonetos; a segunda, de 1939, com 62; a terceira, de 1952, e seguintes com 80. Alguns destes sonetos vêm de Poemas de Deus e do Diabo, obra de 1925. «Uma espécie de livro em suspenso… tendente embora a um fim ou finalidade» – disse o autor deste work in progress no prefácio da segunda edição.
Sobre as dedicatórias de 1930 e 1939: Adolfo Casais Monteiro, crítico e poeta, foi director da presença (com Régio e Gaspar Simões) desde 1930 até ao fecho da revista em 1940; José Marinho foi um amigo da juventude de José Régio, filósofo do grupo Filosofia Portuguesa, discípulo de Leonardo Coimbra.

quarta-feira, dezembro 11, 2019

VIAGENS (5)

«Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que há na terra. Passei já por cidades mais que as existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar.» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Novembro de 2014, Carlos Drummond de Andrade num banco do calçadão de Copacabana:
«No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra»

terça-feira, dezembro 10, 2019

GRANDE PLANO

MILLA JOVOVICH - actriz de nacionalidade norte-americana nascida na Ucrânia - em The Fifth Element (1997), de Luc Besson. É a principal intérprete feminina ao lado do sempre destemido Bruce Willis. Filme sobre uma crise planetária no século XXIII: aventura e amor numa narrativa de ficção científica inspirada em temas da banda desenhada.

segunda-feira, dezembro 09, 2019

EXPOSIÇÕES

Na Gulbenkian, "Art on Display / Formas de Expor 1949-69", uma exposição em que o foco não está nas obras mas no design expositivo, segundo diferentes concepções dos arquitectos Franco Albini e Franca Helg, Carlo Scarpa, Lina Bo Bardi, Aldo van Eyck e Alison e Peter Smithson. Pode ser vista até 2 de Março de 2020.
= Fotos de 8-12-2019 =


domingo, dezembro 08, 2019

INSTANTÂNEOS

Em fila para entrarem. Café, carioca, descafeinado ou pingo a 5 €.
= Majestic Café, Porto, foto de 7-12-2019 =

quarta-feira, dezembro 04, 2019

GRANDE PLANO

CATHERINE DENEUVE em Belle de Jour (1967). Filme de Luis Buñuel, realizador que viria a dirigir a actriz em Tristana (1970). Belle de Jour foi apresentado em Portugal só em Julho de 1974.


terça-feira, dezembro 03, 2019

VIAGENS (4)

«Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma.» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Marselha, Julho de 2014. Torre da Basílica de Nôtre-Dame de la Garde na colina que domina a cidade. Os testemunhos de graças recebidas são às centenas: uns poéticos, outros nem tanto...

domingo, dezembro 01, 2019

CINEMA

Vi hoje no Cinema Ideal. Documentário-manifesto sobre o Conservatório Nacional, realizado por Miguel Moraes Cabral e Nathalie Mansoux. O património educativo confrontado com a degradação do património material - o velho edifício da Rua dos Caetanos, ao Bairro Alto. Pelo que me dizem, as obras de recuperação já começaram. Assiste-se no filme a perto de duas horas de aulas de música e a conclusão que se tira é que aquela gente - alunos e professores - merece mais. O ensino da música merece mais. No fim, o público bateu palmas como em qualquer concerto.


VIAGENS (3)

«A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.»
- Bernado Soares, Livro do Desassossego.

Toledo, Junho de 2016. Um enterro a que se assiste com muita satisfação.


sábado, novembro 30, 2019

DIVAS - Patricia JANEČKOVÁ: "Frühlingsstimmen" (Johann Strauss II)

VIAGENS (2)

«Como todo o indivíduo de grande mobilidade mental, tenho um amor orgânico e fatal à fixação. Abomino a vida nova e o lugar desconhecido.» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego. 

CYRANO DE BERGERAC (1619-1655), o do nariz proeminente, fotografado em Agosto de 2013 na cidade onde não nasceu. Ao fundo passa o rio Dordogne e perto há boas lojas de vinhos.


sexta-feira, novembro 29, 2019

PINACOTECA

HENDRICK GOLTZIUS (1558-1617), Lot e as suas filhas (1616). Foto tirada no Rijksmuseum, Amesterdão, anno Domini 2013. O pai estava bêbado, miúdas danadas.

quinta-feira, novembro 28, 2019

VIAGENS (1)

«Compreendo que viaje quem é incapaz de sentir» - Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Basílica de Santa Giustina, Pádua. Entramos e descobrimos que ali mesmo, num dos braços do transepto, estão os restos mortais de S. Lucas Evangelista. Nem mais, o evangelista representado pelo Touro segundo o Livro de Ezequiel. Lucas morreu na Grécia e os seus ossos andaram por Constantinopla e outros lugares até chegarem a Itália. Em 17 de Setembro de 1998, ao ser aberta a arca de chumbo que os continha, encontrou-se um esqueleto em bom estado de conservação, mas sem crânio. Este, está desde o século XIV na catedral de S. Vito, em Praga, porque uma relíquia dá muito jeito à propagação da fé.
Confortado com tão importante descoberta, dirigi-me para a saída da basílica. Fui então abordado por um padre que me perguntou de que país vinha eu. Respondi-lhe de Portugal e ele, exultando, exclamou: «Fátima!». Um jovem com quem tinha falado umas horas antes, ao saber-me português, gritara: «Ronaldo!». 
Assim se vê a grandeza de uma nação: esta capacidade de suscitar tão diferentes paixões. 


sexta-feira, outubro 18, 2019

PINACOTECA

JOSEFA DE ÓBIDOS (1630-1684), Lactação de São Bernardo de Claraval, óleo sobre tela, Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra. Pintura mística de uma visão de São Bernardo - a mãe de Deus Menino esguichando leite para os seus lábios sequiosos de santidade. 

quinta-feira, outubro 17, 2019

CARTAS A MARIA


A Maria das cartas é a madrasta de Mário de Sá-Carneiro, Maria Cardoso Peixoto, que contraiu matrimónio com o pai do poeta em 4 de Novembro de 1915. Maria tinha na altura 41 anos e Mário 25. As cartas de antes e de depois do casamento mostram uma relação de amizade muito terna, por vezes piegas, com tratamento por tu e vocativos demonstrativos destes sentimentos: «Minha Querida Maria», «Querida Mimi», «Mimi do Mário Querida», «Querido  amor» e «Querida Maria do Mário». Uma das cartas é assinada como «Mário (teu! teu! teu!)»  e outra pelo nome secreto de Bezerro.
Em carta de Paris, de 9 de Agosto de 1914, quando a guerra já havia começado e o pai viajava por África, Mário diz a Maria: «Em primeiro lugar está tranquila. Aqui não corro perigo nenhum! Apenas às 8 horas – cama me fecit (sic) porque fecha tudo!... E há também que andar à pata todo o dia pois os ómnibus andam todos em serviço militar – e o pessoal dos eléctricos e do metropolitano foi todo para a guerra…» E mais adiante: « (…) tenho muita pena da minha querida, querida Mimi pelo preocupada que está – e de resto eu compreendo muito bem. Não julgues tu que não avalio como deves ter andado triste – que não avalio o que tu e o papá devem sofrer. Juro-te que o sei medir muito bem – e que tudo isso, tudo isso me contrista muito. Simplesmente o que havemos de fazer?» Mário estava triste pela separação e pela tristeza dos seus, mas o apelo de Paris, mesmo com uma guerra à porta, era mais forte em si.  


quarta-feira, outubro 16, 2019

PINACOTECA

EGON SCHIELE (Áustria, 1890-1918), Fazendo Amor (1915), lápis e guache sobre papel, Museu Leopold, Viena.


segunda-feira, outubro 14, 2019

50 ANOS DA MORTE DE JOSÉ RÉGIO

Conferência de imprensa da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, de tendência socialista) em 8 de Outubro de 1969 na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Sentados, à direita, José Régio e Sophia de Mello Breyner Andersen. Foi a última aparição pública do poeta de Poemas de Deus e do Diabo que viria a falecer a 22 de Dezembro. 
= Fotografia tirada do livro de António Macedo Na outra margem de Abril, Lisboa, Edições "O Jornal", 2º edição, 1989 = 

domingo, outubro 06, 2019

LEITURAS

Aí vai um poema do engenheiro:

Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite,
Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada.
Navios que se afastam ponteados de luz na treva,
Cada um indeciso diminuindo para cada lado do negro
Tudo mais é a noite calada e o frio que sobe do mar.

quarta-feira, outubro 02, 2019

LEITURAS DO DIA

«fui lírico demais / mas só quando me não vias / e escondias de mim / as minhas mãos / feridas // ninguém teve culpa // se nunca te disse amo-te / mesmo às escuras / foi porque não soube // puseram a cal / alinharam as testemunhas // para mim continuas viva»
p. 17.


terça-feira, outubro 01, 2019

FORMA E CONTEÚDO

Esta colectânea reúne vinte e quatro textos escritos entre 1947 e 1970. Alguns deles, publicados em jornais e revistas, foram entretanto remodelados para a edição definitiva em livro. Li hoje o texto com o título "Almanaque Literário", uma reflexão em 12 alíneas sobre a arte, a literatura e o trabalho de criação literária. Trata-se de uma escrita elegante como hoje pouco se vê. Cito umas passagens onde se aborda a questão do estilo e do fundo, que o mesmo é dizer da forma e do conteúdo, achas que foram para a  fogueira das velhas polémicas internas do Neo-Realismo:
«Farei hoje o elogio do estilo. Não ignoro que a "estratégia da glória", tão condicionada à pressa do "triunfo", gasta muito pouco tempo com estas ninharias: estilo, expressão, linguagem, quando não insinua mesmo que são óptimas desculpas para criadores vagarosos, regatos de água quase mortos no estio literário. Não me refiro, claro, aos rios tumultuosos por natureza, onde há uma limpidez profunda de torrente, mas aos charcos que se julgam a caminho do mar, à babugem turva que se toma já pela fosforescência da onda.» 
Em continuação:
«O interesse pelo tratamento da "forma" na obra literária ganha com frequência outra animosidade, a dos partidários do "fundo", que põem o problema no quadro esquemático duma luta mortal entre expressão e conteúdo. Considerar o romance, o poema, como bichos de duas cabeças é desfigurá-los. Entendo mal a incompatibilidade entre uma ideia ou uma imagem e a busca das palavras que as tornam cintilantes. "Procuro encostar as palavras à ideia", dizia Alberto Caeiro.»
E finalmente:
«Parece ocioso repetir que "fundo" e "forma" são indissolúveis, se determinam entre si no âmbito da linguagem.»

domingo, setembro 29, 2019


A ideia de Cristina, prima de Arturzinho Corvelo, sobre a leitura de romances: « É uma trapalhada, e depois são tudo mentiras... »



sábado, setembro 28, 2019

DELÍRIOS ECFRÁSTICOS


PRAIA DE BANHOS, PÓVOA DE VARZIM (1884), DE MARQUES DE OLIVEIRA

José Régio veio décadas depois
na nave redonda do Diana Bar.
Não a banhos, como as figuras
do quadro, mas para escrever
a confissão derradeira
no limiar da morte,
a luta perdida
nos corredores do tempo,
a moeda na boca para o sonâmbulo
barqueiro. 

--- Cadernos

quarta-feira, setembro 25, 2019

ANTÍGONA, DE SÓFOCLES

Um desafio ao poder iníquo. Com mais de 2400 anos.
ANTÍGONA para CREONTE: «Não nasci para odiar, mas para amar.»


segunda-feira, setembro 23, 2019

DELÍRIOS ECFRÁSTICOS


JULIO, Epitalâmio (1931), óleo sobre cartão, colecção CMVC.
O noivo regurgita um esgar
de dentes rombos e já a garra adunca
dentro da luva de cerimónia
cerimonialmente  avança
sobre o braço da eleita.

À noite, no suor do tálamo,
chupar-lhe-á os lábios,
os bicos dos seios
e sempre o sangue.

Uma terceira figura,
talvez do pai que lha passou,
assobia de mansinho
ao ar festivo.

Em fundo, a coluna
de volutas jónicas
ameaça desabar
sobre a convenção insana.

--- Cadernos 


domingo, setembro 22, 2019

EM DEFESA DO CLIMA

GRETA THUNBERG. «Grande é a poesia, a bondade e as danças... / Mas o melhor do mundo são as crianças, (...)»


sábado, setembro 21, 2019


«A vida vai muito mais longe que toda a literatura...»

- Jaime Franco para Lelito em Os Avisos do Destino, de José Régio.

sexta-feira, setembro 20, 2019

NATÉRCIA FREIRE (1919-2004)


Uma das exposições em curso na Biblioteca Nacional sobre escritores nascidos há cem anos. Natércia Freire foi poeta, contista, romancista e jornalista cultural. Diz Teresa Sousa de Almeida, autora da folha da exposição: «O caso de Natércia Freire é muito particular, porque dirigiu o suplemento "Artes e Letras" do Diário de Notícias, entre 1954 e 1974, tendo sido a primeira mulher a fazê-lo, numa altura em que a instituição literária era sobretudo masculina, o que lhe deu uma grande visibilidade. Só muito mais tarde, em 1968, Maria Teresa Horta será convidada para dirigir o suplemento cultural de A Capital.» Sobre o livro de contos A Alma da Velha Casa (1945), há uma curiosa reacção de José Régio, autor do ciclo romanesco A Velha Casa (5 volumes publicados entre 1945 e 1966), em carta para o seu grande amigo Alberto de Serpa datada de Portalegre, 18 de Junho de 1945: «(...) Provas do primeiro volume de A Velha Casa, o qual se chama Uma Gota de Sangue (...) Não confies o título do romance. A Natércia Freire talvez se não tivesse lembrado de chamar a um seu livro A Alma da Velha Casa se o meu título geral se não tivesse espalhado tanto. E eu então, que nisto dos títulos sou duns zelos maníacos e ferozes! Já não lhe perdoo  tal abuso.»

segunda-feira, setembro 16, 2019

EXPOSIÇÕES



"SARAH AFFONSO E A ARTE POPULAR DO MINHO", até 7 de Outubro na Gulbenkian, comemora os 120 anos do nascimento da artista. Na imagem, A Estrela, óleo sobre tela de 1937.
=Foto de 15-9-2019=


sábado, setembro 14, 2019

ANO DE 1919


Escritores nascidos no ano:
= João José Cochofel (1919-1982)
= Natércia Freire (1919-2004)
= Joel Serrão (1919-2008)
com exposições na Biblioteca Nacional;
= Fernando Namora (1919-1989)
com exposição no Museu do Neo-Realismo;
= Sophia (1919-2004)
= Jorge de Sena (1919-1978)
e há certamente mais...

quarta-feira, setembro 11, 2019

GRANDE PLANO

ORNELLA MUTI, no papel de Odette de Crécy, em Un amour de Swann (1984) de Volker Schlöndorff. Adaptado de Proust, pois então.


terça-feira, setembro 10, 2019

PINACOTECA

YASUO KUNIYOSHI (1889-1953), Circus Girl Resting (1925). Pintura exibida na "Advancing American Art", em 1946, exposição que reuniu 79 pinturas a óleo de 45 importantes artistas norte-americanos. A exposição viajou depois de Nova Yorque para Paris e Praga, onde obteve grande sucesso e polémica. O presidente Harry Truman criticou a orientação artística dominante, tendo proferido a propósito deste quadro a célebre declaração racista e reaccionária: « If that is art, then I am a Hottentot.» 

sexta-feira, setembro 06, 2019

UM BANQUINHO...

«Pani Krysia, debruçada sobre a mesa de jantar, saia arregaçada, esticava os braços como se fosse uma cruz, fincando as mãos à toalha de renda. Com o peito espremido no tampo, erguia o queixo para o tecto como se visse o céu. Atrás dela, com os pés apoiados num banquinho, o presidente da Câmara trazia as calças pelos joelhos e dominava a beata puxando-a pelos atilhos do corpete
No capítulo seguinte é o escritor fictício que se pronuncia sobre a fabulação do seu relato: «O gajo não prestava, não valia nada! Um tipo daquele tamanho não chega aonde ele chegou sem se empoleirar. Há quem lhe chame canalhice, eu vi  ali um banquinho, qual é o problema? Tens um banquinho, tens uma história.»
Este é um romance em que a história narrada se confronta com as motivações da narração, as fontes, o poder da fabulação, a angústia da criação, o real e o imaginário. Um bom romance, prémio Leya 2017.

quarta-feira, setembro 04, 2019

ORDEEEEER!

NOT A GOOD START BORIS!, disse o incrível speaker John Bercow. Isto sim, vale a pena, não tem nada a ver com a pasmaceira enfatuada de S. Bento. 

CINEMA PARAÍSO

Uma fantasia americana de 1946 dirigida por Frank Borzage. Apesar da "implausibilidade do argumento" e das "grotescas interpretações dos protagonistas" (João Bénard da Costa), é um filme que engaja o espectador no delírio, no conto de fadas, na música de Rachmaninoff com um invisível Rubinstein ao piano. Uma Catherine McLeod fabulosa e o final feliz que cai sempre bem. Passou ontem na Cinemateca. 

terça-feira, setembro 03, 2019

PINACOTECA

PABLO PICASSO, Retrato de Dora Maar (1937). Mário Dionísio escreveu no prefácio de A Paleta e o Mundo: «A pintura moderna é obra de loucos? A pintura moderna é a verdadeira e única pintura? (...) A pintura moderna é uma parada de monstruosidades ou um encantador jogo decorativo? É uma arte requintada para raros conhecedores apenas ou o garatujar confrangedor de gente inepta e sem gosto?» -- As respostas são dadas ao longo de cinco volumes, 2ª edição pela Europa-América em 1973. Nova edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda em preparação.


domingo, setembro 01, 2019

DIÁRIO

Domingo a escutar a música radiofónica da vida. Aquilo que Amadeus Mozart aconselhou a Harry Haller, o lobo das estepes.