sexta-feira, fevereiro 26, 2021

SOPHIA bis

A CONQUISTA DE CACELA

As praças fortes foram conquistadas
Por seu poder e foram sitiadas
As cidades do mar pela riqueza

Porém Cacela
Foi desejada só pela beleza

--- SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, Livro VI, 1962

(Fotos de Cacela, tiradas em Junho de 2015)

PINACOTECA

SALVADOR DALI, O grande masturbador (1929), óleo s/ tela 110 cm x 150 cm, Museu Reina Sofía, Madrid

quinta-feira, fevereiro 25, 2021

SOPHIA

Busto do Minotauro, Museu Arqueológico Nacional, Atenas 

Tantas vezes já tive o poema nos olhos e no pensamento. Hoje surgiu-me de modo diferente. Palavras-chave: raça, labirinto, fio, palavra. 

Em Creta / Onde o Minotauro reina Banhei-me no mar
(...)
Em Creta onde o Minotauro reina atravessei a vaga / De olhos abertos inteiramente acordada / Sem drogas e sem filtro / Só vinho bebido em frente da solenidade das coisas - / Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto / Sem jamais perderem o fio de linho da palavra

(Sophia de Mello Breyner Andresen, "O Minotauro", Dual, 1972)

GRANDE PLANO

MIA WASIKOWSKA em Jane Eyre (2011), de Cary Joji Fukunaga, filme com argumento baseado no celebrado romance de Charlotte Brontë. 

quarta-feira, fevereiro 24, 2021

EÇA, AS INTERWIEWS E AS ENTREVISTAS


Em Ecos de Paris, há um artigo de Eça com o seguinte título: AS “INTERVIEWS” — O REI HUMBERTO E O FÍGARO — A MONARQUIA ITALIANA — O QUE PODE DIZER UM SOBERANO A UM JORNALISTA — A SINCERIDADE E O OPTIMISMO OFICIAL.

Eça vai ocupar-se da entrevista ao rei Humberto de Itália, mas antes tece algumas considerações de ordem política, jornalística e linguística.

Começa por dizer:

«Apesar desta democracia crescente que tudo vulgariza, ou antes (sejamos prudentes), que tudo igualiza, nem cada dia um jornalista consegue interviewar um rei.»

Para logo acrescentar:

«Este vocábulo interviewar é horrendo, e tem uma fisionomia tão grosseira e tão intrusivamente ianque, como o deselegante abuso que exprime. O verbo entrevistar, forjado com o nosso substantivo entrevista, seria mais tolerável, de um tom mais suave e polido. Entrevista, de resto, é um antigo termo português, um termo técnico de alfaiate, que significa aquele bocado de estofo muito vistoso, ordinariamente escarlate ou amarelo, que surdia por entre os abertos nos velhos gibões golpeados dos séculos XVI e XVII. Termo excelente portanto para designar um acto em que as opiniões tufam, rebentam para fora, por entre as fendas da natural reserva, em cores efusivas e berrantes. Mas entrevistar tem um não sei quê de sorrateiro que desagrada – e só alguém com muita autoridade e muita audácia o poderia impor. Interviewar, ao menos, é bruto mas franco. Temos pois de empregar resignadamente este feio americanismo – já que os nossos idiomas neolatinos não estão preparados, na sua nobre pobreza, a acompanhar todas as ruidosas intervenções do engenho anglo-saxónio

Assim, Eça foi pioneiro no uso do termo “entrevista” com o significado que actualmente lhe damos. E tendo despertado a minha curiosidade com aquela alusão aos gibões dos séculos XVI e XVII, fui ver ao Dicionário Houassis: 1º significado de “entrevista”: «VEST peça de tecido vistoso colocado entre o forro e o pano do vestido para aparecer através deste ou de aberturas nele praticadas». Bate certo, decididamente não percebo nada de corte e costura.


terça-feira, fevereiro 23, 2021

4 DA MATINA, A VER O MENTALISTA

Tem qualquer coisa de garça e ninfa dos bosques. O nome é especial, Teresa LISBON – a denodada agente do California Bureau of Investigation –, sempre acompanhada daquele vidente truculento  e disruptivo que descobre a careca aos criminosos. E há ainda a outra, Grace Van Pelt, também muito jeitosa na luta contra o crime.
Gosto das duas. 
E o vidente, Patrick Jane,  também não é má peça.
Disse.

segunda-feira, fevereiro 22, 2021

EUROPA

Tinha este livro aqui em casa, no esconso de uma estante. Edição feita para a EUROPÁLIA 91, inclui traduções do poema de Adolfo Casais Monteiro em francês, inglês e neerlandês. Escrito entre 1944 e 1945, foi lido aos microfones da BBC, em 23 de Maio de 1945, pelo artista António Pedro. Dias antes, consumara-se a vitória dos Aliados sobre as potências do Eixo. O poema traduz uma renovada esperança no futuro das nações europeias. Começa assim: «Europa, sonho futuro! / Europa, manhã por vir, / fronteiras sem cães de guarda, / nações com seu riso franco / abertas de par em par.» E termina com uma proclamação em maiúsculas: «QUE SÓ O HOMEM LIVRE É DIGNO DE SER HOMEM!»

domingo, fevereiro 21, 2021

CARANGUEJOLA

(...)
Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras, / Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou. /Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras... / Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

--- MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (poema datado de Paris, Novembro de 1915)

[OS VELHOS SÃO MANHOSOS]

 Os velhos são manhosos.

Demoram-se a apanhar a fruta, sabem
que sabem esticar o braço antigo até aos primeiros figos,
que podem saber chegar ao fim da figueira.
Os velhos arrastam os pés em direcção à saída,
esgotam-se ao sol seguinte.
Cortam-se por vezes no vidro de emergência,
no buraco para o exterior.
Têm visões extraordinárias,
receitas específicas para o barroco do poema
e do mel.

Escrevo para os velhos.

--- FILIPA LEAL, Vem à Quinta-Feira (2016)

sábado, fevereiro 20, 2021

GRANDE PLANO

Mia Farrow em A Semente do Diabo (Rosemary´s Baby), de Roman Polanski. Filme de 1968. Vi-a em 69 ou 70, já não sei em que cinema. Um fulgor de mistério e tragédia difícil de esquecer.  

quinta-feira, fevereiro 18, 2021

COLONIZADOR E COLONIZADO EM "A TEMPESTADE", DE WILLIAM SHAKESPEARE

 Djimon Hounsou, no papel de Caliban, no filme A Tempestade (2010), de Julie Taymor

CALIBAN (falando de PRÓSPERO, seu senhor): 
Como te disse já, estou submetido a um tirano, um feiticeiro, que com as suas artes me vigarizou e roubou a ilha.
--- A Tempestade, de W. Shakespeare. Acto 3, Cena 2.

quarta-feira, fevereiro 17, 2021


 

BESTIÁRIO DAS ALMAS

 Tigre (1912), de FRANZ MARC (Munique, 1880 - Braquis, França, 1916)

O peso da denotação fragilizou-lhe os liames para o mundo conotativo.  Só se exprime por aquilo que é certo, seguro e absolutamente verificável. Daí a sua limitada compreensão das metáforas, das hipérboles e das metonímias. Então dos oximoros nem é bom falar. Lê romances com histórias bem contadas, ligando mais aos enredos do que aos processos de linguagem.  Gosta de (alguma) pintura e de (alguma) música, mas com o mistério da poesia nunca marcou encontro. É pessoa determinada, ousada e previsível – como um tigre natural!

Tigre, tigre que flamejas / Nas florestas da noite / Que mão, que olho imortal / Se atreveu a plasmar a tua terrível simetria? (William Blake).  

terça-feira, fevereiro 16, 2021

CARNAVAL COM LETRAS

Desde domingo que ando com este livro. Um romance que tem por referência A Tempestade, peça teatral de William Shakespeare escrita em 1610 e 1611. 
Felix Philips é um encenador bem sucedido e grande animador do Festival de Teatro de Makeshiveg. Quando se preparava para fazer uma encenação revolucionária de A Tempestade, é traído pelo seu mais próximo colaborador e despedido pela direcção do festival. 
Decidido a vingar a traição, vai construindo em si a sua própria Tempestade... O tema da peça é, de resto, a vingança, havendo uma correspondência de entrechos entre a obra de Shakespeare e o romance de Margaret Atwood.  
Diga-se, finalmente, que duas personagens da peça - Próspero (duque de Milão cujo poder foi usurpado, tendo sido desterrado para uma remota ilha) e Caliban (um habitante do lugar de desterro que é feito escravo por Próspero) - têm sido motivo de discussão e formulação de juízos no âmbito literário dos estudos coloniais e pós-coloniais. Próspero representaria o colonizador, Caliban o colonizado. Porém, sobre isto, está-se longe da unanimidade. 

domingo, fevereiro 14, 2021

O PODER DA NARRATIVA

 Xerazade e o Sultão Xariar (1880), do pintor alemão Ferdinand Keller (1842-1922)

Em As Mil e Uma Noites, Xerazade escapou à morte que lhe estava destinada, entretendo o sultão com as histórias maravilhosas que lhe contava e cujos desfechos ele queria conhecer na noite seguinte. No Decameron, de Boccaccio (1313-1375), dez jovens da nobreza, sete do sexo feminino e três do sexo masculino, fogem de Florença, assolada pela peste de 1348, e vão para um castelo no campo onde tomam como recreio e condição de sobrevivência as histórias que durante dez dias vão contando uns aos outros. Em Heptameron, de Margarida de Navarra (1492-1549), é um grupo de nobres, isolado num lugar dos Pirinéus por causa de uma tempestade de neve, que combate a ociosidade e o desalento, entretendo-se, duarante sete dias, com a narrativa de histórias de conteúdo lúdico, instrutivo e moralizador. Em todos os casos, o poder da narrativa no equilíbrio e sobrevivência do homem. Contar ou escrever histórias é bom; ouvi-las ou lê-las é ainda melhor. 

quarta-feira, fevereiro 10, 2021

PINACOTECA

TINTORETTO (1518-1594), Marte e Vénus Surpreendidos por Vulcano (1555). Óleo sobre tela. Antiga Pinacoteca de Munique. O esposo atraiçoado como que procura descobrir a prova do crime; Cupido, filho de Vénus, dorme descansado na sua caminha; Marte escondeu-se, e o cãozinho está inquieto. Deuses tão humanos!

terça-feira, fevereiro 09, 2021

DIÁRIO ÍNTIMO

Uma amiga minha anda a estudar persa num curso da Faculdade de Letras de Lisboa. O persa pertence, tal como o sânscrito, ao grupo das línguas indo-europeias. Só que esta é uma língua morta e o persa é uma língua viva, falada no Irão, Afeganistão, Tajiquistão e por minorias do Uzbequistão, Turquia, Emiratos Árabes Unidos e Barém.  Está fascinada com a semelhança de certas palavras do português, inglês e alemão com a língua que agora estuda. Isso mesmo pude constatar ao conjugar-me  o presente do indicativo do verbo persa correspondente ao nosso verbo "estar".
Anoto no diário a aquisição deste conhecimento incomum, ilustrado com a pintura de Habib Allah (fins do século XVI-princípios do século XVII) sobre o poema A Conferência dos Pássaros, de Farid Ud-din Attar (século XII), uma procura, dentro da tradição sufi, da noção mística de Deus. 

segunda-feira, fevereiro 08, 2021

PINACOTECA

ALEXANDRE-CHARLES GUILLEMOT (1786-1831), Marte e Vénus Surpreendidos por Vulcano (1827). Óleo sobre tela. Indianapolis Museum of Art. 
 

domingo, fevereiro 07, 2021

DIÁRIO ÍNTIMO

Um silêncio petrificante na paisagem despovoada. O carrilhão da Igreja dos Pastorinhos emudeceu. Felizmente que estou cheio de vozes dentro de mim. 

sábado, fevereiro 06, 2021

GRANDE PLANO

LAUREN BACALL no filme To Have and Have Not (1944), de Howard Hawks. Argumento baseado no romance homónimo de Ernest Hemingway. Estreou-se em Portugal, em 21 de Janeiro de 1946, com o título Ter e Não Ter.
 

sexta-feira, fevereiro 05, 2021

OS TRÊS AMERICANOS DE EÇA

Ele conhecia os americanos. Em 1873, sob pretexto das febres de Verão nas Antilhas - era então cônsul em Havana -, Eça viajou para o Canadá, Estados Unidos e América Central com autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Parece que as razões fundamentais para a viagem não eram as febres nem os americanos, mas duas americanas que conhecera em Cuba: Mollie Bidwell e Ana Conover. 
A verdade é que o seu apetite pelo estudo dos homens e das sociedades permitiu-lhe identificar três tipos de americanos que são objecto de um pequeno artigo: o dos estados do Sul, da Carolina ou da Luisiana; o do Norte, «grosso, vermelho, forte» que «leva em si todo o orgulho da América»; e o do Canadá, «raça que pretende ter teorias». Desconheço em que periódico e data foi publicado o artigo, não o diz a minha edição das Notas Contemporâneas, décimo quinto volume das Obras Completas editado em 1981 pelo Círculo de Leitores. Mas diz, sim, da prosa certeira e do remate fabuloso da crónica:
«Três são. Uma coisa têm em comum - a individualidade, o myself. Eu mesmo, eu cidadão americano, de resto nada. Outro ponto de contacto: nunca se espreguiçam. De resto, com toda a sua civilização, a sua riqueza, o seu ouro, o seu myself, o seu ruído sobre o planeta, a sua intimidade com Deus, não seriam capazes, todos juntos, desde o Canadá até Filadélfia, desde o presidente Grant até ao Negro, que agora geme atrelado ao algodão, de fazer um verso de Musset, ou um desenho de Delacroix. E têm outra desgraça: assoam-se muito.
De resto, magníficos
Acho que Eça tinha razão. Não em tudo, mas em quase tudo. 


quinta-feira, fevereiro 04, 2021

PINACOTECA

AMEDEU MODIGLIANI, Retrato de Jeanne Hébuterne (1919) 

vem

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando a tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

- AL BERTO, do poema "E uma paixão". Antologia Do corpo: outras habitações, organização e apresentação de Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas, ed. Assírio & Alvim, 2018.

LISA BATIASHVILI, violino: "Dança dos Cavaleiros", bailado "Romeu e Julieta", de Sergei Prokofiev

quarta-feira, fevereiro 03, 2021

REVISTA "TRÍPTICO"



No nº 5 da revista Tríptico  (Coimbra, 9 números publicados de 1 de Abril de 1924 a 20 de Abril de 1925), um texto de José Régio, então com 23 anos de idade, provável excerto do projecto de romance Maria de Magdala e Jesus da Nazaré.  

segunda-feira, fevereiro 01, 2021

GRANDE PLANO

JODIE FOSTER no filme Contacto (1997), de Robert Zemeckis, desempenhando o papel da Dra. Eleanor Arroway (Ellie), cientista apostada na descoberta de vida inteligente fora do nosso sistema solar. Li o livro há uns bons anos na edição da Gradiva de 1985. 

A VOZ DA PEDRA

Bysancio, revista de moços académicos de Coimbra, teve 6 números publicados de Março de 1923 a Janeiro de 1924. Embora não pertencesse ao grupo directivo, José Régio colaborou em todos os números. 
Vou lendo essa colaboração, acessível  em suporte digital. Muito interessante a da derradeira vez em que a folha veio a público: uma crítica ao primeiro volume de teatro de Raúl Brandão e ao livro Os Pescadores. Mas não é sobre isso que me vou deter. Nestes tempos que atravessamos, impõe-se algo de mais ligeiro, sem deixar de ser sério: "Excerto sobre o riso", no nº 5, de Dezembro de 1923, uma espécie de conto filosófico em que o narrador escuta os conselhos de uma pedra. Tiro este excerto do Excerto, sabedoria da pedra: «Quem sabe rir de si mesmo sabe ultrapassar-se. E nem tem o direito de rir quem não começou por esse princípio... Sê superior a ti mesmo, e serás superior a todos. Ri do fantoche que tu és, e um Deus animará esse fantoche. Quem se tomou a sério, será lançado ao ridículo. Mas quem soube rir de si mesmo será tomado a sério. Ri e serás forte! Ri e serás livre!» Há por aí alguns a quem não faria mal escutar a voz da pedra.