Joséphine Baker (1906-1975)
(…) A par de Marcel Proust, André
Gide parece pequeno: Crítico traído pelo poder criador, criador traído pelo
demónio crítico, Gide prolonga, continua, desenvolve, complica, desfaz,
contrafaz, refaz – uma Obra que finalmente se nos impõe! Assimilador de génio,
ele próprio se nos desvenda caixa de muitas ressonâncias… Sonho de ser tudo o
que não é – por ser um pouco de tudo sem nada ser completamente… senão ele!
Porque da sua Obra, é ele que fica. Isto é: o seu espírito perverso, torturado,
labiríntico e feminino – no altíssimo grau vedado às mulheres… Depois
Pirandello: Poeta de ideias que se fazem carne! Malabarista esfomeado de
Absoluto, arrastando os homens à compreensão irónica de todos os seus
relativismos. Ou Shaw, Narciso sarcasta e lírico. Violador de falsas
honestidades – escrevendo sátiras sobre os cenários convencionais… Ou Freud,
que revolucionou a psicologia, a psiquiatria, a crítica; (Depois de Bergson ter
revolucionado a filosofia) que nos denunciou (ó Rimbaud!) estudou, e explora
este mar de vida obscura, este abismo que nós trazemos dentro de nós, esta
estância dos Fados – o Subconsciente! E tu, Chaplin, Mestre de todos os poetas
modernos! Boneco mais vivo que todos os homens vivos que tu manejas… como
bonecos. Que tu sabes como se maneja. Escamoteador único duma moeda única – a tua!
aquela em que já não estão em lados opostos os dois lados opostos da vida…
E reagindo sobre as estilizações de Nijinsky,
refrescando a saturação das inteligências, vinda do fundo da terra, da
animalidade e do tempo, Josefina Baker passa dançando – como um vento quente
cujo fim é passar.
JOSÉ RÉGIO, Manifesto
“Literatura Livresca e Literatura Viva”, parte final, “Elogio do século
em que estamos, século XX”, presença, nº
9, 9 de Fevereiro de 1928.
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