segunda-feira, abril 22, 2013

UM TEXTO ADMIRÁVEL

Joséphine Baker (1906-1975)
 
(…) A par de Marcel Proust, André Gide parece pequeno: Crítico traído pelo poder criador, criador traído pelo demónio crítico, Gide prolonga, continua, desenvolve, complica, desfaz, contrafaz, refaz – uma Obra que finalmente se nos impõe! Assimilador de génio, ele próprio se nos desvenda caixa de muitas ressonâncias… Sonho de ser tudo o que não é – por ser um pouco de tudo sem nada ser completamente… senão ele! Porque da sua Obra, é ele que fica. Isto é: o seu espírito perverso, torturado, labiríntico e feminino – no altíssimo grau vedado às mulheres… Depois Pirandello: Poeta de ideias que se fazem carne! Malabarista esfomeado de Absoluto, arrastando os homens à compreensão irónica de todos os seus relativismos. Ou Shaw, Narciso sarcasta e lírico. Violador de falsas honestidades – escrevendo sátiras sobre os cenários convencionais… Ou Freud, que revolucionou a psicologia, a psiquiatria, a crítica; (Depois de Bergson ter revolucionado a filosofia) que nos denunciou (ó Rimbaud!) estudou, e explora este mar de vida obscura, este abismo que nós trazemos dentro de nós, esta estância dos Fados – o Subconsciente! E tu, Chaplin, Mestre de todos os poetas modernos! Boneco mais vivo que todos os homens vivos que tu manejas… como bonecos. Que tu sabes como se maneja. Escamoteador único duma moeda única – a tua! aquela em que já não estão em lados opostos os dois lados opostos da vida…
E reagindo sobre as estilizações de Nijinsky, refrescando a saturação das inteligências, vinda do fundo da terra, da animalidade e do tempo, Josefina Baker passa dançando – como um vento quente cujo fim é passar.
JOSÉ RÉGIO, Manifesto “Literatura Livresca e Literatura Viva”, parte final, “Elogio do século em que estamos, século XX”, presença, nº 9, 9 de Fevereiro de 1928.


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