Passa, lento vapor, passa e não fiques...
Passa de mim, passa da minha vista,
Vai-te de dentro do meu coração,
Perde-te no Longe, no Longe, bruma de
Deus,
Perde-te, segue o teu destino e
deixa-me...
Eu quem sou para que chore e
interrogue?
Eu quem sou para que te fale e te ame?
Em quem sou para que me perturbe
ver-te?
Larga do cais, cresce o sol, ergue-se
ouro,
Luzem os telhados dos edifícios do
cais,
Todo o lado de cá da cidade brilha...
Parte, deixa-me, torna-te
Primeiro o navio a meio do rio,
destacado e nítido,
Depois o navio a caminho da barra,
pequeno e preto,
Depois ponto vago no horizonte (ó
minha angústia!),
Ponto cada vez mais vago no horizonte...,
Nada depois, e só eu e a minha
tristeza,
E a grande cidade agora cheia de sol
E a hora real e nua como um cais já
sem navios,
E o giro lento do guindaste que como
um compasso que gira,
Traça um semicírculo de não sei que
emoção
No silêncio comovido da minh´alma...
Álvaro de Campos, “Ode Marítima” (versos
finais)
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