quarta-feira, outubro 05, 2005

MORTE DE AL BERTO

Não foi como a de Rimbaud
A noite
não estendeu o seu manto sobre as copas das árvores
a luz
que tomou conta do tempo
não sossegou o coração dos pássaros
não suspendeu os jogos das crianças
À tua frente havia um mar
do qual não sabias o nome
um pélago onde chegavam rios esquálidos
que abraçavam a voragem
O chicote da tosse
rachava-te as arcadas do tórax
fechava-te o sopro dos pulmões
a febre crescia
sobre as disfunções orgânicas
em dose letal
Estavas magro
muito magro
doíam-te os dentes os ossos
E
na cidade
havia uma alegria de asas
sobre as cabeças dos homens
algazarras de meninos
nos recreios escolares
nenhuma lágrima se desprendia
nenhum fio de emoção
cortava a atmosfera amena
Depois
a dor cessou completamente
e uma grande tranquilidade sobreveio
ainda viste sair de ti
a nuvem da alma
Van Gogh
de quem eras íntimo
veio receber-te
Podia ter sido no céu de Arles
ou de Lisboa
ou de Paris
mas não
foi num campo amarelo de trigo
algures num patamar do tempo
Trazia numa mão
a última carta escrita a Theo
e na outra
o brilho metálico de um revólver
E tu entraste no campo de trigo
uma tela que ondulava ao vento
com revoadas de corvos escuros
recortados num céu azul
Desapareceste onde se supunha estar uma ceifeira
e era Verão


D.E.

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