1
Lusciénio, filho dum liberto enriquecido com um negócio de azeites rançosos e vinhos adulterados, duas ânforas de água do Tibre por cada três de genuíno néctar, estava destinado a uma promissora carreira no foro. O pai mandara-o aprender com os melhores mestres de Roma, estagiara na Grécia, até se deixara seduzir por Epicuro antes de optar por ideias e desígnios mais ajustados às práticas forenses. Porém, por razões que até um narrador omnisciente não consegue descortinar, foi obrigado a exilar-se na Lusitânia, onde chegou acompanhado de Gláucida, escrava líbia para todo o serviço, tendo-lhe sido concessionada a exploração de cinco poços no couto mineiro de Vipasca.
Em Itália deixou Semprónia, a lasciva, mulher de líbido alta que no martírio das noites lhe secava as fontes seminais e comia as forças do corpo, só lhe dando tréguas em três ou quatro dias do mês sob o efeito inelutável das regras fisiológicas. Era então que Lusciénio se recolhia em paz nos braços de Gláucida, vingando-se em beijos e carícias da imoderada violência dos vícios da carne. No porto de Óstia, de onde saiu pelo mare nostrum a caminho da Hispânia, ainda viu no cais a libidinosa Semprónia, despeitada com a sua partida na companhia da escrava. Um arrepio atravessou-lhe o campo da pele. Ia fresca a aragem do mar, Lusciénio levou a essa conta o inesperado estremecimento. O pior, no entanto, estava para chegar.
Ao largo da costa de Saguntum, cinco dias e cinco noites levava já de viagem a galera ágil, os remos chapinhando nas águas, as velas grávidas do cálido siroco, deu-se conta da reiterada falência do seu membro fálico. Tentara na segunda e na terceira noite, não insistira à quarta, que o mar estava bravo e o enjoo lhe tolhia o desejo, mas na quinta noite, sob os olhos estelares do céu, puxou Gláucida para um desvão do convés e, a coberto do sono da marinhagem, tratou de abater o jejum. Não conseguiu nada. As carnes penianas, flácidas como alforrecas, não o permitiram. Cravou as mãos no cordame da embarcação e chorou em desespero a sua raiva impotente.
Lusciénio, filho dum liberto enriquecido com um negócio de azeites rançosos e vinhos adulterados, duas ânforas de água do Tibre por cada três de genuíno néctar, estava destinado a uma promissora carreira no foro. O pai mandara-o aprender com os melhores mestres de Roma, estagiara na Grécia, até se deixara seduzir por Epicuro antes de optar por ideias e desígnios mais ajustados às práticas forenses. Porém, por razões que até um narrador omnisciente não consegue descortinar, foi obrigado a exilar-se na Lusitânia, onde chegou acompanhado de Gláucida, escrava líbia para todo o serviço, tendo-lhe sido concessionada a exploração de cinco poços no couto mineiro de Vipasca.
Em Itália deixou Semprónia, a lasciva, mulher de líbido alta que no martírio das noites lhe secava as fontes seminais e comia as forças do corpo, só lhe dando tréguas em três ou quatro dias do mês sob o efeito inelutável das regras fisiológicas. Era então que Lusciénio se recolhia em paz nos braços de Gláucida, vingando-se em beijos e carícias da imoderada violência dos vícios da carne. No porto de Óstia, de onde saiu pelo mare nostrum a caminho da Hispânia, ainda viu no cais a libidinosa Semprónia, despeitada com a sua partida na companhia da escrava. Um arrepio atravessou-lhe o campo da pele. Ia fresca a aragem do mar, Lusciénio levou a essa conta o inesperado estremecimento. O pior, no entanto, estava para chegar.
Ao largo da costa de Saguntum, cinco dias e cinco noites levava já de viagem a galera ágil, os remos chapinhando nas águas, as velas grávidas do cálido siroco, deu-se conta da reiterada falência do seu membro fálico. Tentara na segunda e na terceira noite, não insistira à quarta, que o mar estava bravo e o enjoo lhe tolhia o desejo, mas na quinta noite, sob os olhos estelares do céu, puxou Gláucida para um desvão do convés e, a coberto do sono da marinhagem, tratou de abater o jejum. Não conseguiu nada. As carnes penianas, flácidas como alforrecas, não o permitiram. Cravou as mãos no cordame da embarcação e chorou em desespero a sua raiva impotente.
2
Em Vipasca era dura a vida dos homens. O couto mineiro era um cemitério de escórias, os poços e galerias esventravam a terra em demanda do filão metalífero. O transporte do minério fazia-se sob escolta dos legionários para o porto fluvial de Myrtilis. O Estado esmagava os concessionários com pesados impostos e levava, qual ave rapace, o maior quinhão do seu labor. Os banhos eram um pequeno refrigério na inclemência daquele clima continental, muito quente no Verão e frio no Inverno.
Quando o administrador do couto mineiro informou o governo de Emerita Augusta da chegada de Lusciénio, da concessão de cinco poços que acabara de requerer e do curriculum forense de que era detentor, além do rápido deferimento da matéria requerida recebeu também taxativas instruções para que o recém-chegado fosse contratado como jurisconsulto ao serviço da administração local. E assim, a par da gestão das suas concessões, Lusciénio passou a trabalhar, como legista, no aperfeiçoamento dos regulamentos económicos e sociais de Vipasca.
3
Tudo parecia sorrir ao exilado jurisconsulto. O administrador, agradado com o douto desempenho das suas funções, abria-lhe as portas do triclínio e era vê-lo recostado em ceias sumptuosas, em esquisitas degustações, comendo e bebendo do melhor, mariscos provenientes de Troia e Gades, vinhos da Bética e da Campânia. O minério que saía dos seus poços, apesar da mão roubadora do Estado, rendia-lhe bons proveitos. Gláucida floria de beleza na tranquilidade da sua juventude, até pensara dar-lhe a alforria e casar-se com ela. Só aquele problema sexual não dava sinais de se resolver.
Um comandante da guarnição militar com quem costumava falar nas horas brandas do banho, deu-lhe uma receita que obtivera de um druida gaulês numa das suas comissões ao serviço do Império: misturar numa papa de favas feita com água do mar, intestinos de atum e tâmaras do Egipto, juntar vinho doce e mel de abelhas, tomar uma hora antes da prática sexual. Experimentou, mas não deu resultado.
Alarmado com a persistência do desarranjo, resolveu tentar a medicina. Médicos não havia em Vipasca, seria necessário ir a Pax Iulia e consultar um qualquer aspirante a Hipócrates que aí exercesse a arte. Consultou, mas não obteve a cura.
Foi então que em desespero decidiu recorrer à intercessão divina. Havia numa vasta região da Lusitânia o culto do deus Endovélico. De Ebora a Ossonoba, de Caetobriga a Myrtilis, corria a fama daquela divindade salutífera que curava mais e melhor que o próprio Esculápio. Rumou ao santuário do deus e aí prometeu a entrega votiva de um pénis erecto da altura de um homem, esculpido em mármore rosa, se lhe fosse restituído o poder viril. E tendo como provável que a causa do seu padecimento pudesse ser feitiço da infame Semprónia, dirigiu preces a Prosérpina, deusa infernal, para que contrariasse o mal de inveja que lhe havia sido enviado.
4
Nunca se conseguiu saber se graças a Endovélico ou a Prosérpina se curou Lusciénio da sua aborrecida perturbação. A Posteridade viria a descobrir no santuário de Endovélico em S. Miguel da Mota, Alandroal, muitas aras e lápides com inscrições votivas, até uma cabeça da divindade esculpida em boa pedra, mas não se encontraria qualquer pénis erecto, em mármore rosa ou de qualquer outra variedade de mármore, o que poderá indiciar que o voto não foi cumprido por não ter sido recebida a graça.
Mas em 1876 e 1906 seriam descobertas nos escoriais de Aljustrel duas tábuas de bronze contendo a legislação aplicável no couto mineiro de Vipasca. E isso deverá ter sido obra de Lusciénio, letrado exilado na Lusitânia por obscuros motivos, filho dum liberto rico, amante terno da escrava Gláucida e objecto sexual de Semprónia, mulher lasciva, invejosa e má.
1 comentário:
Não sei porque tem tão poucos comentários.
A escrita é magnífica. Rica e intensa. Fiquei maravilhado.
Vou "linkar"
Charlie
Enviar um comentário