domingo, outubro 09, 2005

CESÁRIO


DE TARDE

Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde


Quero, dessa aguarela, o fogo de rendas do decote, a transparência das papoilas na colorida alegria da blusa, e, se possível, soltar as mãos no dorso das rolas, aves tão belas, tocar-lhes a seda das penas e as rijezas dos bicos, e já que, meu poeta, nada dizes dos lábios, dos olhos, dos cabelos, acreditar em gomos de fruta vermelha, em lagos espelhados de céu e em searas da cor da tarde, e abrir esse piquenique de burguesas às operárias da cintura industrial, às senhoras maduras da classe média, às meninas universitárias e às empregadas dos centros comerciais, uma grande alucinação de beleza sem distinção de classes, uma tela do tamanho dos campos e dos penhascos, meu poeta dos sentimentos e das sensações, mestre de Caeiro, nosso mestre.

D.E.

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