quinta-feira, abril 29, 2021

AQUELE ERA O TEMPO


Este é o tempo
Da  selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.

--- SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, Mar Novo, livro publicado em 1958

--------------------- Fotos da manifestação de 25 de Abril de 2021:




Este é o tempo.

terça-feira, abril 27, 2021

PINACOTECA

MÁRIO DIONÍSIO, Oh Mulher das Mãos Gretadas (1951). Exposto na 6ª EGAP com o título Mulher a Lavar a Loiça. As notas de Eduarda Dionísio ao 1º volume do diário do artista (Passageiro Clandestino) indicam que o quadro foi oferecido a Hermann Pflüger, tradutor e professor, então residente em Portugal. Foi exposto na Galeria Nasoni, em 1989, na parte retrospectiva da exposição individual de Mário Dionísio, encontrando-se hoje, provavelmente, na Alemanha. Em As Solicitações e Emboscadas, livro de 1945, Mário Dionísio tem um poema ("Essa tragédia tão vulgar") cujo primeiro verso é justamente «Oh mulher das mãos gretadas».

segunda-feira, abril 26, 2021

PASSAGEIRO CLANDESTINO

Ontem, na CASA DA ACHADA, sessão de lançamento do 1º tomo do diário inédito de Mário Dionísio - Passageiro Clandestino - cobrindo o período 1950-1957. A edição vem acompanhada de um grosso volume de notas de Eduarda Dionísio (515 páginas) que esclarece o leitor sobre personalidades, instituições, acontecimentos e outras referências menos conhecidas em relação ao tempo já distante a que se reporta. Um trabalho colossal, imprescindível para quem quiser estudar Mário Dionísio e a inserção da sua obra no tempo em que viveu. Do incipit: «Toda a gente traz consigo um passageiro clandestino, sempre agarrado à mala suspeita onde transporta o mais perigoso dos materiais: milhares de sentimentos, de ideias, de simples frases, de gostos, de impertinências, de abdicações, de cóleras, de saudades, de esperanças, que a sociedade não reconhece. E persegue, se os conhece.» As primeiras páginas do livro desenvolvem-se entre a assunção daquele outro/passageiro clandestino e o questionamento do próprio trabalho diarístico (um diário porquê e para quê?). Comecei hoje a ler.

sexta-feira, abril 16, 2021

SABRINA, BIANCA E JÚLIA

Um dos narradores de Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto, falando de além-túmulo como o Brás Cubas de Machado de Assis, alude às leituras mais ou menos furtivas de sua filha Maria: pilhas de romances das colecções Sabrina, Bianca e Júlia, oriundas do Brasil («livros que estavam escritos em brasileiro») e com sucesso neste nosso país de brandos costumes e leituras vagas. As histórias são mais ou menos eróticas, isto é, eróticas para aquele tempo em que apareceram, anos setenta do século passado, com namorados bonitos nas capas em poses de expressão amorosa.  Um apontamento do real relativo a um certo tempo, embora o tempo, e até o espaço, não pareça constituir preocupação do escritor na construção do entrecho. Este romance do Peixoto dá algum trabalho, mas estou a reler.

quarta-feira, abril 14, 2021

GRANDE PLANO

MEG RYAN em Um Amor Inevitável (título original: When Harry Met Sally...), de 1989, num dos mais conhecidos orgasmos da história do cinema. E à mesa dum restaurante, o que é ainda melhor. 

domingo, abril 11, 2021

ALVES REDOL

ALVES REDOL segundo o escultor Lagoa Henriques numa rua de Vila Franca de Xira. O que eu já ouvi sobre esta estátua em que o escritor é apresentado na viva força da sua nudez! Ao que sei, a família gostou do trabalho, alguns burocratas da terra é que não. 
Fotografia de 10-4-2021.

quinta-feira, abril 08, 2021

GRANDE PLANO

Os fabulosos KATHARINE HEPBURN e HUMPHREY BOGART no filme Rainha Africana (1951), de John Huston.
Ruy Belo sobre a morte de Humphrey Bogart, em Homem de Palavra[s]:
Era a cara que tinha e foi-se embora
nas nunca foi tão visto como agora
O seu olhar é água pura água
devassa-nos dá nome mesmo à mágoa
Ganhámo-lo ao perdê-lo. Não se perde um olhar
não é verdade meu irmão humphrey bogart?
«O seu olhar é água pura água» - tanto que este verso tem a ver com o filme Rainha Africana!
   

terça-feira, abril 06, 2021

ANTÓNIO DE NAVARRO (1902-1980) - "BACANAL", O STROPHION DA BACANTE DESPIDA, LUXÚRIAS, SONOLÊNCIAS DE ÓPIO...

 António de Navarro, retrato por Mário Eloy (1929)

Em Coimbra foi "Príncipe de Judá" e a sua poesia, segundo Adolfo Casais Monteiro, procede «directamente do veio mais anárquico da geração de Pessoa». Deu escândalo, escreveu torrencialmente e, por fim, tornou-se mais comedido sem deixar de poetar. Andou pelos "Ultramares" da grande nação lusitana. Publicou em livro só uma pequena parte do que escreveu.

BACANAL, publicado no nº 5 da presença, 4 de Junho de 1927
(...)
................................................................................................
Apenas lembranças vagas de memória, / - esquírolas, migalhas, um resquício, / e a esquina d´um Som / e as letras quasi sumidas / da palavra VIDA. / O Strophion / d´uma bacante despida, / esgares de magas de Goya, / contorcionismos de Chagall, / e uma palavra esquecida / na alma de toda a gente - / - MORTE! /(mas tudo em bruma n´uma sonolência d´ ópio) // Foi Ela a minha companheira / n´esse final de banquete  onde fui: - / todos os convivas, / o vinho, as mulheres, as iguarias, / ânsias de fome entre góticas ogivas / luxúrias / toda a bacanal, / em suma. / Comunguei Deus e Satanas / pelo mesmo pão, pelo mesmo vinho, / fui Estrutura universal, / pedra d´um caminho, / e uma onda que veio de longe e apenas deixou espuma / - A VIDA.

sábado, abril 03, 2021

PINACOTECA

 MARC CHAGALL, Crucificação Branca  (1938). Óleo sobre tela, 155x140, The Art Institute of Chicago

quinta-feira, abril 01, 2021

quarta-feira, março 31, 2021

PINACOTECA

 GUIDO RENI (1575-1642), Susana e os Velhos (1625)

Segundo o Livro de Daniel, 13. Deus não abandona os inocentes. Susana era casta, os velhos é que eram maus.

segunda-feira, março 29, 2021

GRANDE PLANO

A  bela CATHERINE ZETA-JONES (Elena de la Vega) e o danado do ANTONIO BANDERAS (Don Alejandro de la Vega / Zorro) em A Lenda do Zorro (2005), de Martin Campbell. O casal em plena crise do casamento e uma insidiosa conspiração contra os Estados Unidos a reclamar a acção do herói justiceiro em renovada aventura. Assim não há casamento que resista, porém...

sexta-feira, março 26, 2021

NÃO SE MEXAM, NO MÍNIMO 200 EUROS DE MULTA...

Foto de 25-3-2021. Pátio interior do Convento de S. Francisco, de Tomar, notável edifício do século XVII, tanto quanto julgo saber em vias de receber obras de conservação. Aqui fica como tributo à mobilidade ora cerceada.  E o resto é conversa.

terça-feira, março 23, 2021

TO FLIRT

 

CAP. XLIV de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett

Da longa carta de Carlos a Joaninha, Évora Monte, Maio de 1834

(…)

O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma palavra que não há nem pode haver noutras línguas enquanto a civilização as não apurar. To flirt é um verbo inocente que se conjuga ali entre os dois sexos, e não significa namorar — palavra grossa e absurda que eu detesto —, não significa «fazer a corte»; é mais do que estar amável, é menos do que galantear, não obriga a nada, não tem consequências, começa-se, acaba-se, interrompe-se, adia-se, continua-se ou descontinua-se à vontade e sem comprometimento.
Eu flartava, nós flartávamos, elas flartavam...
E não há mais doce nem mais suave entretenimento de espírito do que o flartar com uma elegante e graciosa menina inglesa; com duas é prazer angélico, e com três é divino.
Para quem nasceu naquilo, não é perigoso; para mim degenerou, breve, aquela plácida sensação em mais profundo sentimento. Veio a admiração primeiro. E como as eu admirava todas três as minhas gentis fascinadoras!
E elas conheciam-no, riam, folgavam e estavam encantadas de me encantar. Fizeram nascer os desejos!
Julguei-me perdido, e quis fugir. Não me deixaram e zombaram de mim, da ardência do meu sangue espanhol, da veemência das minhas sensações... Em breve eu amava perdidamente uma delas — queria muito às outras duas; mas amar, amar deveras, de alma cuidava eu, de coração ia jurá-lo, era a segunda — Laura, a mais gentil, mais nobre, mais elegante e radiosa figura de mulher que creio que Deus moldasse numa hora de verdadeiro amor de artista que se dignou tomar por esse pouco de greda que tinha nas mãos ao formá-la.

Ele flartava, mas depois é que as coisas se complicaram... Sobre o flirt, já disse o obscuro predicador deste blogue : «é como uma laranja doce e amarga às vezes». Para que se saiba.


segunda-feira, março 22, 2021

PARNASO EM OEIRAS

Esta tarde, fui ver a Florbela ao Parque dos Poetas. Disse-me aquele soneto cuja primeira estrofe é:

És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!

Oiço de novo o riso dos teus passos!

És tu que eu vejo a estender-me os braços

Que Deus criou para abraçar-me a mim!

E a última:

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,

Tudo o que é vida e vibra eternamente

É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!

Gostei muito. 

domingo, março 21, 2021

A ESPUMA DOS DIAS: POLÉMICA SOBRE A MAÇONARIA

Agora que por causa das iniciativas legislativas do PAN e do PSD muito se tem falado da maçonaria, é interessante recuperar uma página de José Régio em Confissão dum Homem Religioso, livro publicado postumamente há 50 anos.
Tem a ver com o «tio brasileiro», emigrante que fez fortuna no Brasil e a deixou à irmã Libânia, tia-avó do poeta, grande matriarca e garante de uma prosperidade de que beneficiou toda a família. O avô do poeta, monárquico miguelista, castigado com um filho que aderira às ideias republicanas, foi deserdado por uma divergência familiar relacionada com o seu segundo casamento.
Diz José Régio a respeito do avô e da fortuna do «tio brasileiro»:
«Se acabara por aceitar o republicanismo do filho, teria alguma vez aceitado (ou que perturbação lhe não causaria!) o facto de o irmão «brasileiro» se ter feito maçon no Brasil? Sempre se referia com reverência a esse irmão que o deserdara. Ora os maçónicos eram para o meu avô os mais sinistros, perigosos, abomináveis dos indivíduos! Confesso haver ficado eu próprio muito confuso, ou quase aterrado, quando, abrindo com chave falsa as velhas gavetas duma papeleira tentadora, descobri livros e papéis que me convenceram desta monstruosidade: O tio brasileiro, o grande homem tão respeitado duma família tão católica, apostólica, romana, (embora com aquelas pequenas liberdades adstritas às devoções muito particulares de cada um) – pertencera à maçonaria! fora uma maçónico! assim arranjara, talvez, o seu dinheiro, pois então se repetia que filiar-se na maçonaria era uma vergonhosa maneira de fazer fortuna.»
Sem tirar nem pôr, bem-avisados são, nos tempos que correm, os deputados do PAN e do PSD.

quarta-feira, março 17, 2021

DÉJÀ LU


Reabriu ontem ao público a livraria DÉJÀ LU  da Cidadela de Cascais. Entre diversas compras (livros usados), todas a bom preço, destaco a edição da "quasi", de Maio de 2008, Fátima, Poema do Mundo, de António Botto. O livro já o conhecia, mas foi com gosto que o trouxe porque é um documento. O «esteta sensualista» das Canções - louvado por Fernando Pessoa e José Régio e execrado pelos conservadores inimigos da «literatura de Sodoma» - surge nesta obra de 1955 no auge da sua fase mística e religiosa. O discurso de Nossa Senhora aos pastorinhos chega a ser risível. O livro foi publicado no Rio de Janeiro (onde o poeta então residia) no quadro do XXXVI Congresso Eucarístico, tendo recebido  o "Imprimatur" do cardeal Cerejeira.  

segunda-feira, março 15, 2021

A CONTA-GOTAS

A partir de hoje, cafezinhos e jesuítas na pastelaria Bijou de Cascais sem aquela inestética mesa a bloquear a porta da entrada aos fregueses. Os pastéis-de-nata também se deixam trincar. Bijou, since 1929, pois então!