Chegado do
Brasil em 1879, Rafael Bordalo Pinheiro teve de cumprir quarentena por causa do
surto de febre amarela que grassava em terras de Vera Cruz. Ficou confinado por
sua conta e risco no edifício do Lazareto, sito no Porto Brandão, margem
esquerda do Tejo.
O edifício
ainda lá está, muito arruinado pelas múltiplas funções que lhe foram sendo cometidas
desde aqueles tempos heróicos em que a febre amarela assustava. O artista
publicou o relato do confinamento em livrinho ilustrado com os seus
desenhos, edição da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Lisboa, anno Domini 1881.
Foi a edição
moderna deste relato – aliás coedição PIM! / Museu Bordalo Pinheiro / EGEAC, saída
em 2020 – que hoje comprei na FNAC do Chiado. Diz Bordalo: «O Lazareto,
entretanto, continua a ser uma penitenciária que prende tudo – menos a febre
amarela».
Anos antes,
já S.M.I. Pedro II do Brasil por lá tinha passado aquando da sua chegada a
Portugal em visita de estado. Desembarcado do iate “Douro” a 12 de Junho de
1871, ali ficou mais ou menos confinado até 20 do mesmo mês. Quis o rei D. Luís
que ele fizesse a quarentena a bordo da corveta “Estephania”, para o efeito
preparada, tanto mais que se encontrava acompanhado da imperatriz Theresa Cristina.
Não esteve pelos ajustes o magnífico imperador que resolveu cumprir o exigido
nos mesmos moldes de qualquer burguês ou migrante torna-viagem vindos da terra onde canta o sabiá.
Em As Farpas, de Junho de 1871, os
impagáveis redactores não deixaram passar em claro a insólita disposição
imperial:
«O Senhor D.
Pedro II não põe somente a democracia na sua política e nas instituições do seu
império. Também a põe nos seus hábitos, nos seus usos particulares, na sua
conservação, nas suas maneiras, no forro do seu chapéu e na casa do seu paletó.
Se a
democracia se pudesse converter em alimento, S.M.I. teria acabado com ela,
comendo-a com pão.
S.M.I. não
aceitou a hospedagem que lhe estava preparada no palácio de Belém, nem a
estação de quarentena a bordo de um navio de guerra.
Preferiu a
mesa redonda do Lazareto e um quarto no hotel Bragança».
Quarentena é
quarentena e em nome da saúde pública não há que dar facilidades. Porque como
escreveu Bordalo no seu livrinho, «ninguém pode dizer deste Lazareto não beberei».
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