terça-feira, março 09, 2021

A MEMÓRIA, SENHORES

JOAQUIM DE ARAÚJO (Penafiel, 1858 - Telhal, Sintra, 1917)

Quantos dos nossos poetas do século XX serão recordados e lidos de aqui a cem anos? Não tenho dúvidas de que Pessoa, Sophia, Herberto Helder, Ruy Belo e mais uns quantos lograrão escapar ao anel de sombra e esquecimento que sempre envolve os feitos dos homens, por mais nobres que eles sejam.
Alguém sabe – de uma forma geral, evidentemente – quem foi Joaquim de Araújo?
Autor, entre outros trabalhos, do poemeto Luís de Camões (1887), tentou que Eça de Queirós lhe escrevesse – com a urgência reclamada pelo processo editorial em curso – um prólogo de considerável extensão para a sua obra. A resposta por carta do escritor é exemplar, está compilada em Notas Contemporâneas, pelo que admito que não havendo prólogo, converteu-se o desiderato de Araújo em carta-prefácio e já foi muito bom. Diz o mestre:
«Os seus sonetos, para encantarem, não necessitam dos meus laboriosos comentários. Se os rouxinóis, por motivos filosóficos, se decidissem a não cantar sem terem ao lado um crítico hábil que lhes explicasse o canto – deve confessar, meu caro Araújo, que os arvoredos perdiam logo todo o seu idílio e todo o seu mistério. As obras de arte devem falar por si mesmas, explicar-se por si mesmas, sem terem necessidade de pôr ao lado um cicerone». Avançando depois: «O meu prólogo seria um bocado de chumbo atado à asa duma linda e ligeira ave… Publique os seus sonetos sós, e os homens de gosto ficar-lhe-ão agradecidos». E como argumento final: «De resto, como lhe disse, a dificuldade é você ter pressa e eu ser um homem de inspiração tão lenta.»
Ficou Joaquim de Araújo sem prólogo, valeu-lhe talvez a carta-prefácio, mas isso em nada contrariaria o esquecimento a que foi votado, não obstante a dignidade das obras e serviços prestados.
Mnemósine, personificação mitológica da memória e mãe das nove musas, que partidas pregas aos homens!

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