segunda-feira, março 15, 2021

DRAMA EM GENTE

 Aguarela de Alfredo Margarido

Primeira carta de Fernando Pessoa para José Régio, datada de 26 de Janeiro de 1928 (Cartas entre Fernando Pessoa e os Directores da presença, edição e estudo de Enrico Martines, IN-CM, 1998), em que se fala do abominável Álvaro de Campos e se surpreende o «drama em gente» pessoano. Escrita em «orthographia pré-republicana»:

Meu querido José Régio:
(Se spontaneamente, o tracto assim, excuso de dizer-lhe que não tinha que hesitar-se, durante um paragrapho inteiro, para me tractar approximadamente...)
A phrase precedente, scripta com uma completa sinceridade, não é minha; intercalou-a, por anticipação, nesta carta o  meu abominável, porém neste caso justo, amigo Álvaro de Campos. Dizendo que elle é justo, confirmo, e torno minha, aquella phrase.
Do melhor grado, e agradecendo por mim todos, acedo ao honroso convite que me nos faz para que collaboremos no numero anthologico de "Presença". Envio quatro composições breves: uma é do Álvaro de Campos, outra minha; do Ricardo Reis vão duas, para que escolha a que prefere. Do extinto Alberto Caeiro não pude obter composição alguma, pois os parentes, ou testamenteiros, me não facultaram o traslado.
(...)

De facto, que esperar de parentes ou testamenteiros? Se calhar, preparavam-se para vender os poemas por grossa maquia. O extinto poeta, diferentemente, não prosseguia objectivos materialistas: tinha uma alma que era como se fosse um pastor, amava toda a paz da Natureza, não tinha ambições nem desejos, lia o livro de Cesário Verde até lhe arderem os olhos...
  

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