sexta-feira, janeiro 11, 2019

DA UTILIDADE DA POESIA E DA OBRA DE ARTE EM GERAL

RUY BELO (1933-1978), desenho obtido no sítio Correio do Porto

Ruy Belo, no “Breve Programa para Uma Iniciação ao Canto” que antecede Transporte no Tempo (1973), diz isto: «Ao escrever, e independentemente do valor do que escrevo, tenho às vezes a vaga consciência de que contribuo, embora modestamente, para o aperfeiçoamento desta terra onde um dia nasci para nela morrer um dia para sempre.» Uma vaga consciência, diz o poeta, o que só poderá ser entendido como uma manifestação de humildade. Lemos num dos poemas de Transporte no Tempo: «Odeio este tempo detergente / um tempo português que até utilizou  / os primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven / como indicativo da voz do ocidente». Alguns dos poetas que defenderam “a arte pela arte”, fizeram-no pela pureza e autonomia dessa mesma arte, não duvidando do poder, que lhe é inerente, de transformar os homens e as sociedades. A arte pode e deve falar de tudo, só não é admissível que seja instrumentalizada ao serviço de políticas, religiões e credos em geral. «A arte é, não serve», disse o presencista Adolfo Casais-Monteiro, não andando longe de Mário Dionísio quando proferiu, em 1958, na conferência Conflito e Unidade da Arte Contemporânea, as seguintes palavras: «A grande lição é esta: não se pode resolver criar uma nova arte. Nem planificar um sonho sem o caricaturar. Querer racionalizar a criação artística é impedi-la. É querer ordenar o inordenável, prever o imprevisível, fazer florir por métodos exteriores, planificações, artifícios, o que só vive de imprevisto, de surpresa, de inviolável liberdade.» E aqui está até onde nos leva Ruy Belo. Dêmos-lhes então a palavra quando, no mesmo texto, fala do poeta: «Falo do homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando a palavra como uma enxada ou uma arma, encontrou ou pelo menos procurou na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento, no mar, nos campos.»


2 comentários:

R. disse...

Estes textos do Ruy Belo são também excepcionais.

Manuel Nunes disse...

Sem dúvida, meu caro. "Na senda da poesia", ensaios, muito interessante.