quinta-feira, julho 25, 2013

Saint Michel de Montaigne, Dordogne

É no período histórico do Renascimento que se agudiza no homem o sentimento da efémera duração da vida e que se lhe coloca a necessidade de se perpetuar pela memória. O retrato pictórico surge então entre as elites sociais como uma forma de imortalização, enquanto os artistas, entretanto reconhecidos no seu estatuto de criadores do belo, manifestam uma tendência para se auto-retratarem, tanto em figuração individual como inserida em obras de motivação religiosa. É desta forma que Piero della Francesca se representa como soldado adormecido na Ressurreição (1463-65); que Sandro Botticelli pinta a sua figura na Adoração dos Reis Magos (1475) ao lado de vários membros da família Medicis; e que Albrecht Dürer se faz representar no Martírio dos Dez Mil Cristãos (1495-96), atravessando a paisagem saturada de sofrimento e morte na companhia de um amigo. É ainda sob o influxo do espírito renascentista que Michel de Montaigne empreende os Essais, uma tentativa de descobrir o seu íntimo profundo. Não pretende o senhor de Montaigne fixar a história da sua vida, mas captar o sentido oculto duma personalidade que não se mantém igual a si mesma, que flui e se transforma como tudo o que é humano e aspira à perfeição. O título dado aos seus escritos deixa transparecer a instabilidade e a incompletude do eu que se busca, a dimensão do provisório no processo de introspecção. Escrevendo, lendo, rescrevendo, Montaigne faz o que mais tarde faria Rembrandt ao pintar sucessivos auto-retratos à espera de em algum deles finalmente se reconhecer.

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