É no
período histórico do Renascimento que se agudiza no homem o sentimento da
efémera duração da vida e que se lhe coloca a necessidade de se perpetuar pela
memória. O retrato pictórico surge então entre as elites sociais como uma forma
de imortalização, enquanto os artistas, entretanto reconhecidos no seu estatuto
de criadores do belo, manifestam uma tendência para se auto-retratarem, tanto
em figuração individual como inserida em obras de motivação religiosa. É desta
forma que Piero della Francesca se representa como soldado adormecido na Ressurreição (1463-65); que Sandro
Botticelli pinta a sua figura na Adoração
dos Reis Magos (1475) ao lado de vários membros da família Medicis; e que
Albrecht Dürer se faz representar no Martírio
dos Dez Mil Cristãos (1495-96), atravessando a paisagem saturada de sofrimento
e morte na companhia de um amigo. É ainda sob o influxo do espírito
renascentista que Michel de Montaigne empreende os Essais, uma tentativa de descobrir o seu íntimo profundo. Não
pretende o senhor de Montaigne fixar a história da sua vida, mas captar o
sentido oculto duma personalidade que não se mantém igual a si mesma, que flui
e se transforma como tudo o que é humano e aspira à perfeição. O título dado
aos seus escritos deixa transparecer a instabilidade e a incompletude do eu que
se busca, a dimensão do provisório no processo de introspecção. Escrevendo,
lendo, rescrevendo, Montaigne faz o que mais tarde faria Rembrandt ao pintar
sucessivos auto-retratos à espera de em algum deles finalmente se reconhecer.
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