Al Berto (Coimbra, 11 de Janeiro de 1948 - Lisboa, 13 de Junho de 1997)
Não foi como a de Rimbaud: a noite não estendeu
o seu manto sobre a copa das árvores,
a luz que tomou conta do tempo não sossegou
o coração dos pássaros,
não suspendeu os jogos das crianças.
À tua frente havia um mar de que não sabias
o nome, um pélago onde chegavam rios esquálidos
que abraçavam a voragem.
o seu manto sobre a copa das árvores,
a luz que tomou conta do tempo não sossegou
o coração dos pássaros,
não suspendeu os jogos das crianças.
À tua frente havia um mar de que não sabias
o nome, um pélago onde chegavam rios esquálidos
que abraçavam a voragem.
O chicote da tosse rachava-te as arcadas
do peito, doía-te como a febre ou o sono,
enquanto na cidade havia uma alegria de asas
sobre as cabeças dos homens,
algazarras de meninos,
brandas conversas de tertúlias.
Quando a dor cessou por completo,
ainda viste sair de ti a nuvem da alma.
Van Gogh, de quem eras íntimo, veio receber-te.
Podia ter sido no céu de Arles, ou de Lisboa,
ou de Paris. Mas não:
foi num campo amarelo de trigo, algures
num patamar do tempo
entre a poesia muda da cor.
Trazia numa mão a última carta escrita a Theo
e na outra o brilho metálico dum revólver.
E tu entraste no campo de trigo:
uma tela que ondulava ao vento
com revoadas de corvos escuros
esburacando a claridade dos astros.
Sumiste-te por aquele espaço
em que se imagina estar a ceifeira.
Era Verão.
Feito em 13 de Junho de 2007, no décimo aniversário da morte do poeta.
4 comentários:
Muito Belo.
Manuel, deves ter uma arca de escritas...é simpático que partilhes estas criações.
Bravo!
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