domingo, julho 09, 2006

FUTEBOL E "RAPARIGA COM BRINCO DE PÉROLA"


A princípio não quis levar aquilo a sério: era um jogo a feijões, para um prémio de consolação… Mas depois vi que estavam lá o Presidente da República, uma primeira dama de circunstância, o Chefe do Governo – estes os que mereciam maior visibilidade mediática – e, na penumbra, creio, ministros e ajudantes de ministros, deputados e directores-gerais, tudo gente que se senta à mesa do orçamento e está acostumada a lidar com a vertigem do transporte aéreo com a mesma naturalidade de quem apanha o autocarro para a Buraca. E todos, pelo menos os que eu via, cantavam o hino nacional a plenos pulmões. Foi então que dei importância ao assunto. Mandei vir uma imperial e uma embalagem de amendoins e dispus-me a assistir ao confronto – havia um magnífico ecrã na zona de restaurantes do centro comercial, sempre era melhor do que ver em casa.

Atravessei estoicamente a primeira parte do jogo. Meditei, ao intervalo, nos feitos heróicos dos filhos de Luso. Desisti aos sessenta minutos, quando aquele jogador português com nome gálico confundiu a nossa baliza com a do adversário.

Disse-me depois o empregado de um café, na Avenida de Roma, que ainda tínhamos levado mais uma estocada, mas que um valoroso patriota de nome Nuno tinha aberto um rombo no último reduto do adversário. O Nuno, perguntei, o que tem sido sistematicamente preterido em favor de aquele açoriano que costuma correr atrás de bolas de queijo flamengo? Esse mesmo, respondeu-me o profissional de hotelaria e serviços similares, jogou apenas meia dúzia de minutos mas fez tanto quanto o outro que andou horas e horas a arrastar o canastro pelos relvados luxuosos da Alemanha.

E lembrando-me dos altos magistrados da Nação, todos de hino na boca e patriotismo a transbordar do peito, suspensos das duras tarefas da governação, vendo cair os nossos naquela jornada inglória, vieram-me as lágrimas aos olhos e aos lábios aquelas palavras do grande Luís de Camões sobre a austera, apagada e vil tristeza em que se metera a Pátria. A sua Pátria, a nossa.

Dei comigo numa sala do Quarteto, na sessão das dez, a espairecer. Na plateia éramos só dois, imagine-se o prejuízo daqueles pobres empresários… Mas para mim foi o melhor da noite: Rapariga com brinco de pérola, de Peter Webber, com a esplendorosa Scarlett Johansson e, em fundo, a pintura de assombro de Johannes Vermeer.


D.E.

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