segunda-feira, março 31, 2014

domingo, março 16, 2014


COSMOCÓPULA

O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada e lenta

dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro

NATÁLIA CORREIA

 

quinta-feira, março 13, 2014

"EU VI A LUZ EM UM PAÍS PERDIDO."


Saiba a boa amiga que me envia versos de Camilo Pessanha que eu costumo dormir com este livrinho.



quarta-feira, março 05, 2014

ETERNO RETORNO

Brotando dos galhos da indefinida árvore, flores ténues, a certeza de que a Primavera está a chegar.

segunda-feira, março 03, 2014

OS JORNAIS DA MANHÃ


Os jornais da manhã
os das grandes parangonas
e dos silêncios cobardes
esses que cheiram tanto a tinta
e sujam os dedos de quem os lê
e sujam o espírito de quem os lê

se a verdade tivesse a estrutura dos caracteres de imprensa
ou se se nutrisse do óleo das rotativas
talvez os ardinas não andassem descalços

os jornais da manhã
os da romântica génese nocturna
os jornais dos enormes silêncios
e das gritarias eufóricas
mas podres
os jornais cheios de fotografias
(para analfabetos)
os jornaizinhos

 
3. Outubro. 1967

domingo, fevereiro 16, 2014

MEMORIAL DO CONVENTO


2 quadras a um convento 2

Neste convento que uma rainha estéril pariu
nesta cidade de sacros privilégios
entre paredes transfiguradas de bafio
e sombras de caprichos régios

nesta mansão de bruxos e castrados
onde se vive da manha e do engano
há uma LINHA DE MONTAGEM de soldados
a produzir à média de 3000 ao ano.

 
Mafra, 1969

 
Nota:
Quadras provenientes do caderno agora exumado, esgalhadas entre Outubro e Dezembro de 1969. Um memorial do convento avant la lettre! Atente-se nos laboriosos cálculos do versejador ao referir a produção de 3000 soldados ao ano: 4 incorporações anuais no curso de oficiais milicianos, cada uma com cerca de 750 cadetes.
 

domingo, fevereiro 09, 2014

PINTURA ROMÂNTICA

JOÃO CRISTINO DA SILVA, Cinco Artistas em Sintra (1855), Museu do Chiado - MNAC
 Da esquerda para a direita: TOMÁS DA ANUNCIAÇÃO, FRANCISCO METRASS, VITOR BASTOS, CRISTINO DA SILVA e JOSÉ RODRIGUES. Tomás da Anunciação pinta, Cristino da Silva desenha. Os saloios, admirados, rodeiam o artista em actividade. Ao fundo, entre brumas, o Palácio da Pena. Este quadro tem sido apontado como um  manifesto da escola romântica: pintura ao ar livre, representação da beleza intacta da natureza, o povo retratado como assunto nobre.  


terça-feira, fevereiro 04, 2014

CADAVRE EXQUIS A SOLO


E entre a vigília e o repouso, quando a razão se lhe nublasse levemente, abertos ainda os olhos ou semicerrados, mas pesados, extáticos, imóveis, no escuro, então com ele, com o vento, viriam os fantasmas.
Primeiro foi o gato. Era cinzento e verde, mas com listas perfeitas e sedosas quais as dos tigres, mais intensas ainda, quase tão vivas como a plumagem de uma ave exótica. (…)
Apareceu depois o homem que ria. Tinha um riso azul na face, um grande riso cómico e medonho. (…)
Entretanto, surgia, mas sempre rápido, fugidiço, evanescente, o homem pássaro, sem rosto (…)
Por fim, a mulher informe, mais do que nunca encoberta, naquela noite, em seus véus de rosa-pálido.
URBANO TAVARES RODRIGUES, Bastardos do Sol, Amadora, Livraria Bertrand, 3ª edição revista, s/d, pp. 121 e 122.
 CÂNDIDO COSTA PINTO, Amor hiante (1942), Museu do Chiado - MNAC
ANTÓNIO DACOSTA, Episódio com um cão (1941), Museu do Chiado - MNAC

domingo, fevereiro 02, 2014

Ó SINO DA MINHA ALDEIA

Casa onde nasceu FERNANDO PESSOA e campanário da vizinha Basílica dos Mártires onde o poeta foi baptizado a 21 de Julho de 1888. O sino da sua aldeia?
(Fotos tiradas hoje)
 
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

FERNANDO PESSOA - Atena nº 3; Poesias, Lisboa, Edições Ática, 16ª edição, 1997, pp. 93 e 94.


segunda-feira, janeiro 27, 2014

FRAGMENTO DE UMA PÁGINA DE DIÁRIO


Ela tinha no corpo um cheiro a maçãs, e ele pensou que era do gel de banho ou de algum perfume raro, desses que não se vendem nas lojas populares dos centros comerciais.
 
Nada percebia de geles de banho, nada percebia de perfumes.

Só entendeu quando ela lhe mostrou as árvores do seu jardim: os pomos rescendiam nas frondes, já a manhã se anunciava sob o pontilhismo de estrelas cada vez mais pálido.  
 
 

terça-feira, janeiro 21, 2014

CASA DA ACHADA - CENTRO MÁRIO DIONÍSIO

Ontem, na CASA DA ACHADA, antes da sessão sobre Picasso – leitura do duplo quadro A Guerra e a Paz (1952), feita por Eduarda Dionísio a partir de O Amor da Pintura, de Claude Roy – calhou fotografar estes trabalhos de MÁRIO DIONÍSIO  ali expostos.
Duas passagens da Introdução ao Catálogo da Exposição na Galeria Nasoni (1968):
“A pintura seria o paraíso se não fosse a consciência das nossas limitações. Consciência e criação não se querem muito juntas. Mas, mesmo assim, bendita seja ela, essa consciência.”
Quem cedeu alguma vez ao apelo da fala sem palavras que a pintura é, há-de entender-me, espero.”
MÁRIO DIONÍSIO
 Pescador. Óleo s/ tela, 67 x 51,5, s.d.
 Mulher à mesa. Óleo s/ tela, 64 x 49, 1951
Rapariga na rua. Óleo s/ serapilheira, 65 x 52, 1944
 

sexta-feira, janeiro 17, 2014

terça-feira, janeiro 14, 2014

GOUVARINHAR


Um verbo picante e sensual que lembra camas desfeitas e frestas de luz em alcovas de sombra. É incrível como ainda não entrou nos dicionários!
Eça, no capítulo V de Os Maias, põe na boca de Ega o seguinte convite a Carlos, o herói (ou anti-herói) do romance:
“Eles [os Gouvarinho] desejam conhecer-te, sobretudo a condessa faz empenho… Gente inteligente, passa-se lá bem… Então decidido! Terça-feira vou-te buscar ao Ramalhete e vamo-nos «gouvarinhar». A condessa de Gouvarinho era “uma senhora inglesada, de cabelo cor de cenoura, muito bem feita (…)” e Carlos “achava-a picante, com os seus cabelos crespos e ruivos, o narizinho petulante e os olhos escuros, de um grande brilho (…)”.
Sabemos o resultado que a coisa deu: Carlos «gouvarinhou» até se fartar, e o pior foi a sova que a senhora levou do marido, um político influente e poderoso, com tanto de vaidoso como de ignorante.
Um verbo de conjugação gostosa: tu gouvarinhas, ele gouvarinha, vós gouvarinhais…
Eliane Giardini como condessa de Gouvarinho na minissérie Os Maias (2001), Rede Globo, Brasil