domingo, outubro 14, 2018

VOU LENDO


Tanto quanto me permite a leitura do 1º capítulo, avisto um diálogo (eventualmente conflitual, seguramente complementar) entre a pintura e a fotografia. Predadora, ainda que testemunhal, a arte de fotografar em cenários de guerra. É interessante que na sexta-feira passada, no Clube de Leitura do Museu Ferreira de Castro (Sintra), Julieta Monginho, autora de Um Muro no Meio do Caminho, tenha manifestado o seu pudor em fotografar os refugiados do campo da ilha de Chios (Grécia) onde trabalhou como voluntária. Em Pérez-Reverte, O Pintor de Batalhas, o protagonista Faulques descarrega a sua velha Leica 3MD com objectiva de 50 milímetros sobre uma rapariga deitada numa esteira num campo de refugiados do sul do Sudão: « A rapariga era jovem e de uma beleza translúcida apesar da cicatriz horizontal que lhe marcava a testa e dos lábios fendidos (…) pela doença e pela sede. E tudo, a cicatriz, as gretas dos lábios, os dedos finos e ossudos da mão junto ao rosto, as linhas do queixo e a ténue insinuação das sobrancelhas, o fundo do entrançado romboidal da esteira, pareciam confluir na luz dos olhos, no reflexo de claridade nas íris negras, na sua fixa e desesperada resignação. Uma máscara comovedora, antiquíssima, eterna, onde convergiam todas aquelas linhas e ângulos. A geometria do caos no rosto sereno de uma rapariga moribunda.»


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