Há tanta coisa que eu ignoro
e é tão irremediável este tempo perdidoÓ boi da paciência sê meu amigo!
António Ramos Rosa
O boi da paciência,
explica-me o sentido do boi da paciência, pedia-lhe ela, agitando no frenesim
das mãos o livro do poeta António Ramos Rosa.
E eu sei!? E eu sei!?
Resposta dele.
Que ele sabia, sim
senhor, não tinha era vontade de lhe dar atenção, de perder tempo com ela, pois
se não sabia por que razão lia tão avidamente os escritos dos poetas? A voz
fraquejou-lhe em falsete, o peito sobressaltado
e ofegante, tremeu-lhe a vista e uma ruga insinuou-se-lhe no rosto no auge da
contrariedade que a tomava.
Ele disse-lhe que a
poesia é a expressão de sentimentos indizíveis, inexplicáveis, mas ela não quis
ouvir. Atirou com o livro para cima da mesa, o qual ficou estranhamente aberto,
as folhas levantadas em leque. Gostava mais de romances e narrativas históricas,
o boi da paciência não estava com ela na leitura de poesia.
Não se pode amar alguém
que não lê o mesmo poema, pensou ele, lembrando-se de uma conhecida canção
popular, e saiu para a varanda a olhar o céu da noite. Julgou ver o poeta na
sua viagem através de uma nebulosa, transfigurado de anos e esquecimento,
cruzando no carro de Apolo o vasto tecto de estrelas.
Esteve ali muito tempo
a olhar o céu, a noite era gelo. Não se pode amar, não se pode amar, ia dizendo
baixinho.
Foi então que ela veio
ter com ele à varanda. Afagou-lhe o braço, puxou-o para si e levou-o para
dentro. A mesa da sala coalhava-se de estrelas que saíam do livro aberto. E
ambos conseguiam vê-las.
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