Loja Pingo Doce da Av. Almirante Reis, de portas fechadas e sob aparato policial, à hora em que desfilavam os manifestantes do 1º de Maio.
As cenas reais bem poderiam
pertencer a um romance que Saramago nunca escreveu, mas que seria no género de
“Ensaio sobre a Cegueira” ou “Ensaio sobre a Lucidez”: uma turba ávida,
descontrolada, lançando-se sobre as prateleiras dos supermercados para
beneficiar de um desconto de metade do preço nos produtos adquiridos. Na
voragem cúpida, levam o que precisam e o que não precisam, porque o importante
é atingir o valor mínimo que dá direito ao desconto. Os gerentes dos
supermercados exultam, os clientes grunhem e a polícia é chamada para serenar
os ânimos.
E assim queimam um dia de
descanso, que daria para passear ou ir ao cinema, em longas filas de espera
para os talhos e peixarias, roubando dos carrinhos dos competidores produtos já
esgotados nas prateleiras, envolvendo-se em desacatos, soltando impropérios, carregando
as bagageiras dos automóveis para logo voltarem de olhos baços ao rodízio
consumista.
O gerente duma loja de Sintra,
entrevistado pela televisão, dizia que os clientes tinham respondido
positivamente ao aproveitarem a boa oportunidade de negócio que se lhes
deparara. E pelo negócio lá se foi o ócio, pela picanha e pelo uísque de 12
anos perderam um feriado, trocaram o ar fresco e luminoso do dia pelas luzes
das lojas e o delírio dos escaparates.
Tudo isto enquanto o
primeiro-ministro dizia tranquilamente, numa assembleia do seu partido, que os portugueses deveriam preparar-se para
níveis de desemprego ainda mais altos, para maior austeridade. Esta gente que irá suportar mais desemprego tem
a austeridade de que precisa e no poder os governantes que merece. É sabido que
nas próximas eleições vão tirá-los de lá, não por convicções políticas, mas por
simples ganância: porque lhes foram aos ordenados e ao preço do bife. Se o merceeiro Alexandre Soares dos Santos viesse
a candidatar-se, teria fortes probabilidades de ganhar.
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