Encontrei-o na Alexandre Herculano, a preparar-se para entrar na manifestação, ainda os indignados não tinham chegado à sede do Partido Socialista e lançado contra a fachada rosa do edifício aquele clamoroso coro de assobiadelas. Vi-o depois, caninamente surpreendido com o pacifismo dos portugueses, junto à casa de D. Amália, em plena descida da Rua de S. Bento. O pessoal ia embalado, gritando palavras de ordem lixadas, dessas que dizem cobras e lagartos de governantes que trabalham esforçadamente para a salvação do país, e o canídeo abanava o rabo de contentamento.
– Mas este é o cão grego das manifestações! – disse uma rapariga morena, por sinal nada má, que ia à minha frente na manifestação, integrada num grupo Free Hugs. Aproveitou para me dar um forte abraço e tive de aceitar a carinhosa demonstração de mais duas jovens, esquivando-me a tais afectos quando se encaminhava para mim, com igual propósito, um rapaz magro e barbado que vestia uma t-shirt com uma gravura do Che Guevara.
Uma senhora da UMAR, já adiantada nos anos, deu uma bolacha ao animal e fez-lhe uma festa na cabeça. O bicho estranhou, como se visse o Partenon erguer-se de súbito em plena Rua de S. Bento. Habituado que estava a cargas policiais e ao gás lacrimogéneo de Atenas, devia custar-lhe a compreender aquelas demonstrações de afecto dos portugueses. E soltou um ladrido rouco, arrastado, gemente de indignação.
Disseram-me depois que tinha sido o primeiro a ultrapassar as barreiras da polícia e a instalar-se na escadaria do edifício do Parlamento. Pelas dez da noite ainda lá estava, segundo o meu informante, ladrando e abanando o rabo a cada medida aprovada pela assembleia popular. Parece que foi afastado pelo cordão policial, não sem que antes tenha lançado o dente à bota de um pobre polícia que acabara de perder os subsídios de Natal e de férias dos próximos anos.
Acham isto extraordinário? Eu não! Há tantos cães sentados nas bancadas do parlamento e nos cadeirões do governo, a lamberem as botas da troika e do seu títere Vítor Gaspar, que a atitude deste rafeiro é a coisa mais verosímil do mundo.
Acabo esta crónica à pressa. Estou de saída para a assembleia popular das 7 horas. Pelo sim, pelo não, vou levar um agasalho: pode ser que fique para a acampada.
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