sexta-feira, novembro 26, 2010

EXCERTOS (1)

Com as incidências recentes, a progressão da minha tese limitava-se a cumprir, como numa greve, os serviços mínimos. Lia o diário do poeta pela enésima vez, mais para me confortar do que para dele extrair elementos para o meu trabalho. Deparava-me com a solidão em que tinha vivido um grande espírito, e fortalecia em mim a ideia de que a felicidade era inimiga do estudo e da criação artística. Como de certa forma me sentia doente, segui o conselho de Blaise Pascal: faire le bon usage des maladies. Foi assim que comecei a escrever esta narrativa, não propriamente em jeito de catarse, mas para tirar o melhor partido do mau momento que atravessava, pensando atirá-la, uma vez publicada, à cara incrédula e quiçá arrependida de M.
Impus-me a obrigação de escrever, no mínimo, uma página por dia, entre seiscentas e setecentas palavras. Um objectivo modesto, sabendo como sei que há escritores que vão às duas mil e mais palavras em cada jornada de trabalho. De qualquer forma, eu não me considerava um escritor, era alguém que estava simplesmente a escrever, além de que tinha de reservar algum tempo para prosseguir com a minha tese de doutoramento. Como entretanto me tinha reformado, deixei os pequenos trabalhos que mantinha como formador e passei a dedicar-me inteiramente aos livros e à escrita. Pela primeira vez na vida, abraçava o ócio e punha de lado o negócio.

4 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Pode haver infelicidade no ócio (pergunta de ocioso crónico)?

Manuel Nunes disse...

Não, Ricardo! No "otium" só pode haver felicidade criadora.

Larii disse...

Peço minhas sinceras desculpas por demorar a responder, mas, desde já o agradeço pelas palavras sinceras, que me fizeram acreditar que mesmo depois de tudo, é realmente bom saber que há sempre um sorriso e um abraço pra nos acolher.A vida é traiçoeira, e sei bem disso; mas de qualquer forma, gosto de viver. É bom saber, que podemos suportar as dores e seguir em frente; isso me dá mais força. Muito obrigado pelas palavras amigas, são o que mais aprecio nas pessoas; valem mais que qualquer outro gesto.
Um abraço, Larissa.

Manuel Nunes disse...

Minha Amiga,
Já deixei um comentário no blogue sweet lemon. É pena que o tenha encerrado de forma para mim imprevista, embora compreensível... Às vezes necessitamos de parar um pouco, para depois continuarmos.
Ainda lá vou voltar para deixar mais uma nota.
Abraço,