sábado, fevereiro 19, 2022

HIPÓLITO E FEDRA

Hipólito, de Eurípides, tragédia apresentada em 428 a. C. Vi a noite passada no Teatro Municipal Joaquim Benite com encenação de Rogério de Carvalho. Interessante confrontar com Fedra, de Jean Racine, apresentada em Paris no ano de 1677, em que o casto e misógino Hipólito se apaixona por Arícia, princesa da família dos inimigos mortais de seu pai Teseu. Em ambas, a injusta acusação contra Hipólito, a de se haver dado a amores incestuosos com a sua madrasta Fedra. Na  tragédia de Eurípides tem mais relevo a acção dos deuses, fazendo surgir em Freda a paixão deletéria pelo seu enteado. E em Racine, a baixeza da denúncia passa da esposa de Teseu para a ama, uma criatura servil.  
Falando da sua peça, dizia o dramaturgo francês: «O que posso garantir é que não escrevi quaisquer outras em que a virtude seja mais posta em evidência do que nesta. As menores faltas são nela severamente punidas. O simples pensamento do crime é visto com tanto horror como o próprio crime. As fraquezas do amor passam por verdadeiras fraquezas. As paixões são nela postas perante os olhos somente para mostrar toda a desordem de que são causa: e o vício é pintado com cores que lhe fazem conhecer e odiar a disformidade.»
No fundo, os objectivos que Aristóteles via na tragédia, conforme deixou escrito na sua Poética: despertar o temor e a compaixão como meios de o espectador alcançar a catarse. E fortes motivos havia em Hipólito para despertar tais sentimentos: a paixão incestuosa, a mentira, a acusação injusta, o castigo pedido aos deuses para um filho que com verdade se havia justificado junto do seu pai. Tudo isto pertence ao homem antigo e ao moderno. Daí a actualidade desta peça de há dois mil e quinhentos anos. 

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