quinta-feira, fevereiro 01, 2018

RÉGIO, PESSOA E AS VIAGENS


«Neste meu estado, falam-me em viagens! Digo, eu próprio, que tenciono ir a Itália no próximo ano; – e o mais curioso é que efectivamente alimento esse vago plano: ir lá com os Mirandas. Na verdade, porém, que me interessam actualmente as viagens? que me interessam pessoal e profundamente? que poderão ensinar-me que eu não saiba, dar-me que eu não tenha? (O que não quer dizer que não me possam entreter muito.) É aos extrovertidos que as viagens interessam: aos cujo relativo vazio da vida interior se tapa com uma aparência de enriquecimento. Eu sei que é em mim que tenho o mundo – o mundo que me é possível apreender. Em mim vive toda a multidão dos meus personagens possíveis; e são em multidão! Em mim se desenrolam os dramas, tragédias, comédias que posso criar. Em mim há diversos meios, ambientes, paisagens…»
--- JOSÉ RÉGIO, Páginas do Diário Íntimo, Vila do Conde, 27 de Setembro de 1948.

«A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.
(…)
Ah, viagem os que não existem! Para quem não é nada, como um rio, o correr deve ser vida. Mas aos que pensam e sentem, aos que estão despertos, a horrorosa histeria dos comboios, dos automóveis, dos navios não os deixa dormir nem acordar.
(…)
Quando se sente de mais, o Tejo é Atlântico sem número, e Cacilhas outro continente, ou até outro universo.»
--- BERNARDO SOARES, Livro do Desassossego. 


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