sábado, abril 26, 2014

EPISTOLÁRIO


Lisboa, 13 de Maio de 1963
Querido paizinho
O meu maior desejo, ao receber esta minha carta é que se encontre de completa saúde, que nós bem felizmente.
Recebemos a carta do pai que já esperavamos, e junto vimos as fotografias que nos enviava. Gostamos imenso delas; parece que no dia da vossa excursão o dia não estava muito bom. O pai, aparece numa fotografia completamente trajado à Inverno: gabardine, chapéu, gola levantada. Olhe que nós por cá vamos à praia, e com que calor. No domingo fui ao Estoril no habitual passeio da Igreja, e na praia estava tanta gente como em pleno Verão.
Agora vou falar-lhe do jogo de quarta-feira: Eu estava já feito à ideia de ter de escutar o relato pelo rádio, pois o Benfica não havia aceitado as propostas da R.T.P. para a transmissão directa do desafio. Assim, enquanto toda a Europa via na Eurovisão o desafio, nós, portugueses, estavamos condenados a não o vermos.
Nestas condições tudo se resignou a escutar o relato. Até se contavam anedotas, de tipos que não conseguindo arranjar bilhetes, se iam deslocar a Madrid para ver o desafio na televisão espanhola. A mãe e o Justino foram para a D. Eponina ver a televisão e eu fiquei à espera do relato. Estava o desafio a começar entra o Justino em casa a dizer que ia dar pela televisão.
Deixei imediatamente tudo, e fui ter com a mãe a casa da D. Eponina. A questão tinha sido resolvida naquele instante entre a direcção do Benfica e a R.T.P.
Gostei muito do jogo. O Feynoord parecia uma equipa de principiantes, só no fim mostrou algum do seu valor. Quanto à pancadaria que a polícia deu no fim, foi uma autêntica vergonha. Toda a Europa a assistir aquilo. O Estado procedeu a um inquérito sobre o caso, porque realmente aquilo foi vergonhoso, e não fica em casa como outras vergonhas, aquela andou por toda a Europa a ser vista. Com o que fez, a polícia não se elevou nada, pelo contrário apenas se diminuiu, porque a invasão  do campo já vem sendo hábito pelos benfiquistas, não é um facto inédito.
Cá por Lisboa, andavam holandezes em todo o sítio, e com que peneiras eles estavam.
Parece que toda aquela invasão [dos holandeses em Lisboa ], era organizada por um jornal chamado “Het Vrye Volk”, qualquer coisa que quer dizer “Povo Livre”.
Outra anedota corrente, era que a organização da tal invasão teve que fretar, à última hora, um outro navio para transportar as lágrimas.
Mas enfim, tudo acabou, no dia imediato pela manhã, desfeito o sonho, os exércitos holandezes puseram-se em debandada.
Ainda bem que eles perderam, porque se ganhassem eram capazes de inchar tanto, que até tomavam conta de nós.
À parte isto, eles eram muito boas pessoas. Falavam com toda a gente (a muito custo) e traziam sempre o emblema do Benfica.
O resto viu o pai pela televisão.
Sem mais
beijos do filho

P.S. Junto uma anedota do Mundo Desportivo.
 

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