A afeição para com as
mulheres, embora nasça da nossa escolha, também não se pode equiparar à
amizade. O seu fogo, confesso-o, é mais activo, mais forte e mais rude, mas é
um fogo temerário, inseguro, ondulante e
vário; fogo febril, sujeito a acessos e intermitências e que só se apodera de
nós por um lado. Na amizade, pelo contrário, o calor é geral, igualmente
distribuído por todas as partes, temperado; um calor constante e tranquilo, todo
doçura e sem asperezas, que nada tem de violento nem de possante.
(…) Quanto ao
matrimónio, e o facto de ser um mercado em que só a entrada é livre, se
considerarmos que a sua duração é obrigatória e forçada, e dependente de
circunstâncias alheias à nossa vontade, obedece ordinariamente a fins
bastardos; acontecem nele uma quantidade de acidentes que os esposos têm que
resolver, os quais bastam para romper o fio da afeição e alterar o curso da
mesma, enquanto na amizade não há nada que lhe ponha travões por ser ela
própria o seu fim.
MICHEL DE MONTAIGNE, Ensaios, Lisboa, Amigos do Livro, s/d,
pp. 154-156.
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