Palimpsesto é, segundo o dicionário
Houaiss, um “papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado para dar
lugar a outro.”
O conceito liga-se em literatura ao
de intertextualidade, a possibilidade infinita de os textos dialogarem com
outros textos. Escreveu Fernando Pessoa/Ricardo Reis: “Deve haver, no mais
pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero.”
Fedra de
Racine é um desses pergaminhos em
que se escreveu sobre textos “raspados” de Eurípedes, Sófocles, Séneca e de
toda a vasta tradição oral dos antiquíssimos mitos.
Se Thomas de Quincey via o cérebro
humano como um palimpsesto (sobreposição de inumeráveis camadas de ideias,
imagens e sentimentos), Baudelaire apontava nos Paraísos Artificiais a diferença entre este palimpsesto da criação
divina e o literário: o caos fantástico e grotesco do primeiro face à
fatalidade artística e harmoniosa do segundo.
4 comentários:
Quando se fala em palimpsesto, só me vem à memória, como exemplo acabado, os grafismos parietais líticos da pré-história: figura sobre figura, testemunhando ciclos de retorno à mesma ideia, ao mesmo objetivo, ao mesmo clamor. Sabemos que assim é, porque de cada vez há traços que desenham o mesmo desejo fora dos limites do anterior...
Sim, do grego antigo παλίμψηστος (palimpsestos), que quer dizer
"riscar de novo".
As coisas que conseguimos saber pela Wikipédia! :)
O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
tem esta explicação:
[O Nosso Idioma]
Palimpsestos *
Ana Martins
Chama-se palimpsesto ao pergaminho manuscrito que, na Idade Média, era raspado para se poder voltar a escrever nele. Reciclagem à moda antiga.
Por associação de ideias, palimpsesto é um termo usado para explicar que, muitas vezes, um discurso entra em diálogo com outros discursos, dizeres ou vozes, de outros tempos e lugares, cumprindo novos propósitos comunicativos. Por debaixo de um enunciado há outro enunciado. Interpretar um texto é, então, dar conta de como outros dizeres aí ressoam.
Este fenómeno é uma constante da comunicação e é muitas vezes projectado nos títulos dos artigos de jornal: «Separar o trigo do diesel» (Público, 25/4/08), sobre a produção de biocombustível, que exige muito combustível fóssil; «As bases e os "barões" assinalados"» (Público, 1/5/08), sobre a polarização entre militantes incógnitos e militantes notáveis do PSD; «Pouca terra ou pouco tino?» (Público, 5/5/08), sobre o desastre económico que pode ser o TGV.
Portanto, quando se diz que a língua é cultura e história é preciso ter em mente a língua em uso, para além do sistema abstracto de regras gramaticais. Um enunciado formado impecavelmente segundo os princípios de codificação e postulados de significação pode não ter sentido nenhum. O significado é dado pelo dicionário e pela gramática, mas o sentido é criado a partir do conhecimento do que já foi dito e do que se diz numa comunidade de falantes.
Por isso é que um brasileiro teria dificuldade em perceber o terceiro título citado. Para ele, o comboio faz "café com pão, café com pão", para nós, "pouca terra, pouca terra". E a língua é a mesma.
* Artigo publicado no semanário Sol de 10 de Maio de 2008, na coluna Ver como Se Diz :: 11/05/2008
Muito interessante: tem pano para ideias!
Enviar um comentário