Várias são as modalidades do fado, conforme o meio em que se desenvolve: Assim, há o fado dos lupanares, das tabernas, das alfurjas; o fado de salão, de palco, de retiro, de coreto de rancho popular estilizado; o fado das alfamas e mourarias de Lisboa; dos luares do Mondego e becos da Alta Coimbra; das revistas chulas do Porto ou dos cegos das feiras dos subúrbios. Assim, há o fado que arrota e o que põe água de cheiro, o que soluça e o que satiriza, o que pode refrescar a literatura e o que a envilece, o que vai barra fora em terceira classe, guardado numa caixa de guitarra como no coração dum búzio saudoso, e o que se embarca em discos ou navega em ondas sonoras enviadas pelas emissoras. Assim há o fado às vezes execrável e o fado às vezes tocante, – um e outro característicos através das suas várias modalidades. Mas seja como for, entre muitas manifestações da nossa alta literatura culta e essa manifestação primária que é o fado (tão primária nas suas formas mais espontâneas como no risível pedantismo ingénuo das mais aperaltadas) – não há nenhum abismo senão o da expressão artística e mentalidade do autor. A fonte de inspiração é a mesma; e muitas vezes os motivos são os mesmos: paixão do solo pátrio, vontade de aventuras, desgosto das injustiças sociais, exibicionismo da desgraça, amor filial e amor maternal, sede de piedade, “saudades de tudo” [verso de António Nobre], penas de amor de toda a casta.
JOSÉ RÉGIO, no ensaio António Botto e o Amor, 1938.
JOSÉ RÉGIO, no ensaio António Botto e o Amor, 1938.
3 comentários:
Foi pena que o nosso Régio não se tivesse debruçado sobre as origens do fado, porque talvez tivesse chegado à mesma conclusão, ao menos parcial, de alguns, que vêem no cariz popular, suburbano (talvez mais arrabaldino)e "xungoso" as raízes culturais saloias, que é o mesmo que dizer, misturadas (em boa síntese, diga-se) de mourisco, moçárabe, gótico, latino, etc!
Há quem pense diferentemente e diga que as raízes do Fado são afro-brasileiras. Aliás, parece que tal ideia fazia parte da fundamentação da candidatura.
É interessante que precisamente um dos intervenientes (suponho) dessa candidatura (pelo menos presente no momento teleregistado), Rui Vieira Nery, tenha defendido numa sessão pública a tal origem saloia que refiro! Realmente, era capaz de não soar muito bem: quem quer saber dos saloios? E ecos muçulmanos, ainda por cima?
Pessoalmente, lamento que o fado, que eu já considerava pelas horas da morte, seja agora, que é de todos, mais um objecto de miscelâneas inidentificáveis.
Mas isto sou eu!
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