terça-feira, janeiro 04, 2011

"MAU TEMPO NO CANAL"

Aí está o canal – um braço de mar que separa a cidade da Horta, ilha do Faial, da ilha do Pico com o seu ápice de neve e o seu anel de nuvens. O mau tempo é metáfora – a Vitorino Nemésio não interessa a meteorologia, antes a vida sofrida do povo e a prosápia das famílias gradas, unidos, apesar de tudo, pela igual condição de ilhéus, permanentes candidatos à diáspora. João de Melo, outro escritor açoriano, fala-nos de gente feliz com lágrimas.
Neste romance, cujo tempo narrativo decorre entre 1917 e 1919, não há luta de classes nem consciência disso. Os grandes senhores amam os seus servidores e estes respeitam-nos como se não pudesse ser de outra forma. Veja-se o desvelo com que é assistido na doença, pelos seus patrões Margarida Dulmo e Roberto Clark, o criado Manuel Bana.
Por isto, e pelo rigor com que nele é traçado o perfil psicológico das personagens – nomeadamente o da protagonista Margarida Dulmo – podemos considerá-lo próximo da estética presencista, embora ele suplante em originalidade e fôlego tudo o que foi feito, em matéria de romance, pelos homens da revista presença.
Vitorino Nemésio, distante e crítico em relação a José Régio, ainda colaborou em dois números da folha de arte e crítica coimbrã. É curioso que em Mau Tempo no Canal utilize a expressão “jogo da cabra-cega” numa acepção idêntica à que lhe deu o poeta de Vila do Conde e Portalegre no seu livro com aquele título: “Na velhacaria do Ladeira entrava um conhecimento quase táctil das coisas, um jogo da cabra-cega feito pelo seguro da mão, curta e rente da rasa” (capítulo “A íris da aranha” de Mau Tempo no Canal).

1 comentário:

Graça Sampaio disse...

Ando a ler e estou a amar!! O meu querido professor Nemésio e o seu "linguajar" quase açoriano...