domingo, novembro 01, 2009

ALICE E O ESPELHO

Cansei-me de ler livros. Ando agora nas redes sociais da Internet, fazendo amigos, adicionando nomes à minha lista de contactos, escrutinando as fotografias e os perfis que me chegam nos fluxos mágicos do espaço virtual.
Ontem conheci um rapaz de nome Pierre. Francês? Não sei. A fotografia mostra-o com uma cabeleira negra, os olhos vagos, um cachecol desabado sobre o casaco de lã de cores amarela e verde, um sorriso terno que faz pensar em alegrias que estão muito para lá da ligeireza das teclas ou dos reflexos do ecrã. Engenheiro informático, solteiro, nascido a 23/7, omisso o ano, mas, pelo aspecto, aí pela casa dos trinta. Talvez trinta e muitos, mas que importa? Até aos quarenta anos os homens estão como novos, isto já eu ouvia à minha mãe, senhora comprovadamente experiente em tudo quanto ao sexo oposto diz respeito.
Antes de me dedicar às redes sociais da Internet, frequentei ginásios, lugares onde, com sorte, podemos melhorar a silhueta e conhecer atletas. Os corpos são como poemas. Vi muitos bíceps, muitos músculos abdominais que me cortaram a respiração acelerada pelos exercícios de marcha no tapete rolante. Um dia, porém, descobri que só homens desinteressantes se chegavam ao pé de mim com as mais incríveis propostas: um treino de jogging na pista da Cidade Universitária, um café à saída, a participação numa qualquer prova de corrida pedestre ao fim-de-semana. Achei que não compensava tanto esforço, tanto dinheiro gasto ao fim do mês, tanta desorganização de horários no termo do dia de trabalho. Chegava a casa sempre depois das nove, exausta e cheia de fome. Comia muito, e engordava disparatadamente. Desisti.
Depois de abandonar os ginásios juntei-me a um grupo de observadores de aves que se passeava de binóculos e máquinas fotográficas nas veredas da Serra de Sintra. Precisava de conhecer pessoas. Andei fins-de-semana a fio pelas zonas do Rio da Mula e da Lagoa Azul em demanda do falcão-peregrino, do gavião, do pombo-torcaz e da ferreirinha-alpina. Havia homens interessantes naquele círculo de amadores da natureza. Um dia, quando subíamos a uns penhascos de onde se avistam os longes do Cabo da Roca, fui auxiliada pelo Mário, um homem casado, o mais atraente de todos os membros do grupo. Agarrou-me pela cintura, encostou-se, e antes de me empurrar para cima tomou a liberdade de me apalpar demoradamente os seios, como se manipulasse duas alavancas impulsionadoras da minha subida ao coruto das rochas. Gostei que me fartei. O pior foi a mulher, observadora tanto das espécies avíárias como das movimentações do marido, que logo ali, desrespeitando o silêncio exigido para a observação dos pássaros, se pôs a ralhar asperamente com o fogoso consorte.
Saí pela porta pequena do grupo de amigos das aves e, através de uma colega, comecei a ir às reuniões duma comunidade de leitores. Livros e mais livros, discussões longas sobre temas que por mais que me esforçasse nunca conseguiria acompanhar. Memórias de Adriano, As Cidades Invisíveis, O Lobo das Estepes, livros grossos e duros como uma noite sem companhia. Participavam muitas mulheres na comunidade de leitores, pois, diz-se, são elas que mais apetência demonstram pela leitura. Quanto a homens, eram escassos e gastos.
Ainda se falassem de livros como os Onze Minutos do Paulo Coelho, ou desses que são escritos por personalidades conhecidas da televisão, que não dão trabalho a ler, como Não Sei Nada Sobre o Amor e tantos outros, ainda teria feito um esforço para me manter na comunidade. Assim não. Prefiro a Internet. A vida passa diante dos meus olhos como um grande quadro do mundo, sem complicações, à distância simples de um clique. Quando bem calhar dou o salto para o lado de lá. É assim como atravessar um espelho.

1 comentário:

João António disse...

Belo conto!! A solidão é terrível. Conquistar amigos, é deixar-se conquistar. Este protagonista queria era o virtual à força: os Onze Minutos do Paulo Coelho, ou a net.
Claro que irá ficar esquizofrénica se entretanto não cair na real.