domingo, novembro 01, 2009

AINDA OS DIÁRIOS

O diário é uma escrita datada, fragmentária, intermitente. Philippe Lejeune chama-lhe o “grau zero” da construção textual, e, de certa forma, esse parece ser o sentimento de escritores como José Régio. O poeta d´As Encruzilhadas de Deus diz nas Páginas do Diário Íntimo: Um diário é informe ou disforme, desconexo, espontâneo, sei lá! Não é, ao menos pela forma, – uma obra de arte.
Contrariamente a estes juízos, os diários de Maria Gabriela Llansol (Um Falcão no Punho, Finita e Inquérito às Quatro Confidências) assumem-se como peças exemplares de literatura e reflexão. São obras de arte.

Herbais, 20 de Outubro de 1982

Manhã cheia de sol, em contraste com a atmosfera pluviosa dos últimos dias; querer continuar a escrever
Contos do Mal Errante é a minha resposta luminosa à manhã. Ultimamente julgava que o meu corpo era menos maleável, que, onde uns desejos se alargavam, outros se restringiam. Mas sei que o corpo responde à voz altissonante que chama, e ele próprio grita; assim, também ele ainda contém o amor carnal, que é bom condutor do humano. (…) Senti-me feliz sobre a superfície da terra que pisamos. O regresso ao corpo do Augusto ontem não podia passar despercebido nesta hora do Diário.

Maria Gabriela Llansol, Um Falcão no Punho, Lisboa, Edições Rolim, 1985, p. 90.

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