domingo, maio 28, 2006

FINGIMENTOS...

OFÍCIO DE POETA

Vai por esse corredor que se mete na casa entra
na primeira sala de onde uma voz te chame
acerca-te da cómoda alta
e abre a profunda gaveta dos poemas

De lá sairá um génio igual ao da lâmpada
volátil transparência uma nuvem que se move dessas
que enchem os nossos olhos de crianças grandes
quando inventamos no céu
árvores animais e caras
fartos de terminar as viagens antes da estação do sonho

Se tiveres tempo e a luz jorrar das janelas
prepara-te para escrever mas antes
reclama os três desejos da ordem

Que não te trema a voz no instante de pedires
o frasco do veneno com o rótulo impossível
acredita apenas naquilo que sentes
e a tua audácia será compensada

Então poderás correr e soltar as palavras
na superfície lisa das pedras
e construir outras nuvens no céu onde verás
árvores animais e caras
paisagens
que recortarás com afecto para um caderno de colorir
já do lado de cá do sonho

Aí serás menino outra vez
usarás as esperadas cores dos teus lápis
o amarelo vivo para o sol
o verde mar para o mar
o azul claro para as neves que coroam os picos dos montes
o castanho para o caminho sinuoso que
conduz a uma casa com uma porta e duas janelas
até que uma mão te poise no ombro
e te anuncie o momento

Glotal a tua escrita
correrá os silêncios dos corpos
e aceso o fio das palavras habitará a massa do sangue
o lume vivo dos sentidos

O caudal sem margem encherá de claro a ruína dos muros
e haverá um estrépito de asas
sobre as lagunas da inconsequente alegria

Um sopro inquietador da carne e da alma
torrencial
nos jardins de líquenes do conformismo certificado


D.E.

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