domingo, dezembro 05, 2010

RAUL BRANDÃO E O GABIRU

Raul Brandão com a esposa, D. Maria Angelina - retrato de Columbano

Este homem tinha mulher, uma casa no campo, fazia a vindima e vendia o seu vinho como qualquer proprietário rural. Na correspondência com Teixeira de Pascoaes – que também era produtor –, há avisos sobre este negócio incerto, sempre sujeito às oscilações do mercado e às suas obscuras regras: Olhe que o vinho, com grande admiração minha – e porque neste país nunca há lógica – está a subir! Eu fiz a asneira de vender o meu por 600,000 réis – mas o meu caseiro já o vendeu por 720,000 e vizinhos por 900,000!!! É uma febre. Porquê não percebo! Acautele-se.
Em “Húmus”, porém, não é o vitivinicultor que fala, mas o homem esmagado pelo mistério da vida e da morte, pela presença ou pela ausência de Deus, pelo sentido último das coisas. Não há na literatura portuguesa outro livro como este – um misto de novela, diário e reflexão filosófica, um painel de inquietantes personagens de onde se destaca o Gabiru.
O Gabiru não é como as velhas D. Penarícia, D. Leocádia ou D. Biblioteca que moem vidas mesquinhas timbradas de invejas e aleivosias. O Gabiru mistura, resolve, extrai sonho do sonho. Debalde o que é mesquinho lhe mostra os dentes: o Gabiru não ouve, não vê, não sente.
“Húmus” é o livro de um eu dividido e a consciência disso. O Gabiru é a descoberta do outro, o estilhaçamento de um ser – como na heteronímia pessoana ou no eu múltiplo de Régio.
Todos somos legião, todos estamos cheios de Gabirus capazes do melhor e do pior. A dificuldade, às vezes, é descobri-lo.

5 comentários:

João António disse...

Estou quase a terminar a leitura de Húmus. Para mim, foi como se o narrador me atingisse com um murro no diafragma, um pouco mais abaixo do estômago, é o músculo incansável e que nos divide ao meio.

Manuel Nunes disse...

Eu já acabei o "Húmus". Estou agora a ler "Os Pobres", livro anterior que, tanto quanto me é dado verificar, aponta já para a problemática de "Húmus". Até tem o Gabiru como personagem.

Ricardo António Alves disse...

O RB está no meu Panteão.

Manuel Nunes disse...

Ricardo,
Tinha lido em tempos os três volumes das "Memórias" e algum teatro. Ando agora com o "Húmus"- uma verdadeira autobiografia espiritual - e resolvi descobrir algo mais da sua obra: "Os Pobres" e "Jesus Cristo em Lisboa", uma tragicomédia escrita conjuntamente com o Teixeira de Pascoaes. De seguida queria ver se atacava o "El-Rei Junot"...
Abraço,

Ricardo António Alves disse...

A Farsa, não perca A Farsa.
Ab.