
Várias são as modalidades do fado, conforme o meio em que se desenvolve: Assim, há o fado dos lupanares, das tabernas, das alfurjas; o fado de salão, de palco, de retiro, de coreto de rancho popular estilizado; o fado das alfamas e mourarias de Lisboa; dos luares do Mondego e becos da Alta Coimbra; das revistas chulas do Porto ou dos cegos das feiras dos subúrbios. Assim, há o fado que arrota e o que põe água de cheiro, o que soluça e o que satiriza, o que pode refrescar a literatura e o que a envilece, o que vai barra fora em terceira classe, guardado numa caixa de guitarra como no coração dum búzio saudoso, e o que se embarca em discos ou navega em ondas sonoras enviadas pelas emissoras. Assim há o fado às vezes execrável e o fado às vezes tocante, – um e outro característicos através das suas várias modalidades. Mas seja como for, entre muitas manifestações da nossa alta literatura culta e essa manifestação primária que é o fado (tão primária nas suas formas mais espontâneas como no risível pedantismo ingénuo das mais aperaltadas) – não há nenhum abismo senão o da expressão artística e mentalidade do autor. A fonte de inspiração é a mesma; e muitas vezes os motivos são os mesmos: paixão do solo pátrio, vontade de aventuras, desgosto das injustiças sociais, exibicionismo da desgraça, amor filial e amor maternal, sede de piedade, “saudades de tudo” [verso de António Nobre], penas de amor de toda a casta.
JOSÉ RÉGIO, no ensaio António Botto e o Amor, 1938.
JOSÉ RÉGIO, no ensaio António Botto e o Amor, 1938.