quarta-feira, fevereiro 24, 2021

EÇA, AS INTERWIEWS E AS ENTREVISTAS


Em Ecos de Paris, há um artigo de Eça com o seguinte título: AS “INTERVIEWS” — O REI HUMBERTO E O FÍGARO — A MONARQUIA ITALIANA — O QUE PODE DIZER UM SOBERANO A UM JORNALISTA — A SINCERIDADE E O OPTIMISMO OFICIAL.

Eça vai ocupar-se da entrevista ao rei Humberto de Itália, mas antes tece algumas considerações de ordem política, jornalística e linguística.

Começa por dizer:

«Apesar desta democracia crescente que tudo vulgariza, ou antes (sejamos prudentes), que tudo igualiza, nem cada dia um jornalista consegue interviewar um rei.»

Para logo acrescentar:

«Este vocábulo interviewar é horrendo, e tem uma fisionomia tão grosseira e tão intrusivamente ianque, como o deselegante abuso que exprime. O verbo entrevistar, forjado com o nosso substantivo entrevista, seria mais tolerável, de um tom mais suave e polido. Entrevista, de resto, é um antigo termo português, um termo técnico de alfaiate, que significa aquele bocado de estofo muito vistoso, ordinariamente escarlate ou amarelo, que surdia por entre os abertos nos velhos gibões golpeados dos séculos XVI e XVII. Termo excelente portanto para designar um acto em que as opiniões tufam, rebentam para fora, por entre as fendas da natural reserva, em cores efusivas e berrantes. Mas entrevistar tem um não sei quê de sorrateiro que desagrada – e só alguém com muita autoridade e muita audácia o poderia impor. Interviewar, ao menos, é bruto mas franco. Temos pois de empregar resignadamente este feio americanismo – já que os nossos idiomas neolatinos não estão preparados, na sua nobre pobreza, a acompanhar todas as ruidosas intervenções do engenho anglo-saxónio

Assim, Eça foi pioneiro no uso do termo “entrevista” com o significado que actualmente lhe damos. E tendo despertado a minha curiosidade com aquela alusão aos gibões dos séculos XVI e XVII, fui ver ao Dicionário Houassis: 1º significado de “entrevista”: «VEST peça de tecido vistoso colocado entre o forro e o pano do vestido para aparecer através deste ou de aberturas nele praticadas». Bate certo, decididamente não percebo nada de corte e costura.


2 comentários:

R. disse...

O que se aprende...
Eu gosto é do "sejamos prudentes", e ele lá sabia.

Manuel Nunes disse...

Com o Eça está-se sempre a aprender. Até sobre a "arte mecânica" da alfaiataria.