Em Ecos
de Paris, há um artigo de Eça com o seguinte título: AS “INTERVIEWS” — O REI HUMBERTO E O FÍGARO — A
MONARQUIA ITALIANA — O QUE PODE DIZER UM SOBERANO A UM JORNALISTA — A
SINCERIDADE E O OPTIMISMO OFICIAL.
Eça vai ocupar-se da entrevista ao rei Humberto de Itália,
mas antes tece algumas considerações de ordem política,
jornalística e linguística.
Começa por dizer:
«Apesar desta
democracia crescente que tudo vulgariza, ou antes (sejamos prudentes), que tudo
igualiza, nem cada dia um jornalista consegue interviewar um rei.»
Para logo acrescentar:
«Este vocábulo interviewar é
horrendo, e tem uma fisionomia tão grosseira e tão intrusivamente ianque, como
o deselegante abuso que exprime. O verbo entrevistar, forjado com o
nosso substantivo entrevista, seria mais tolerável, de um tom
mais suave e polido. Entrevista, de resto, é um antigo termo
português, um termo técnico de alfaiate, que significa aquele bocado de estofo
muito vistoso, ordinariamente escarlate ou amarelo, que surdia por entre os
abertos nos velhos gibões golpeados dos séculos XVI e XVII. Termo excelente
portanto para designar um acto em que as opiniões tufam, rebentam para fora,
por entre as fendas da natural reserva, em cores efusivas e berrantes.
Mas entrevistar tem um não sei quê de sorrateiro que desagrada
– e só alguém com muita autoridade e muita audácia o poderia impor. Interviewar, ao
menos, é bruto mas franco. Temos pois de empregar resignadamente este feio
americanismo – já que os nossos idiomas neolatinos não estão preparados, na sua
nobre pobreza, a acompanhar todas as ruidosas intervenções do engenho
anglo-saxónio.»
Assim, Eça foi pioneiro no uso do termo “entrevista” com o
significado que actualmente lhe damos. E tendo despertado a minha curiosidade
com aquela alusão aos gibões dos séculos XVI e XVII, fui ver ao Dicionário
Houassis: 1º significado de “entrevista”: «VEST
peça de tecido vistoso colocado entre o forro e o pano do vestido para aparecer
através deste ou de aberturas nele praticadas». Bate certo, decididamente não
percebo nada de corte e costura.
2 comentários:
O que se aprende...
Eu gosto é do "sejamos prudentes", e ele lá sabia.
Com o Eça está-se sempre a aprender. Até sobre a "arte mecânica" da alfaiataria.
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