quarta-feira, janeiro 27, 2021

O TEMPO

Tenho aqui sobre a mesa, sempre à mão, uma edição popular deste livro. Digo popular porque me custou dois ou três euros – já não me lembro com exactidão – num alfarrabista da cidade. É um livro sem preâmbulos, sem estudos, sem notas – apenas com o prefácio de Fernando Pessoa  e a «autobiografia sem factos» do esforçado colaborador do guarda-livros Moreira e do controverso patrão Vasques.

Há bocado abri o livro ao acaso – como algumas vezes sucede – e dei com os meus olhos diante do fragmento nº 350 em que Bernardo Soares discorre sobre o sentido – digamos  metafísico – do tempo. Para alguém sujeito ao jugo do Deve e do Haver não está nada mal, constatação válida para este fragmento e para todos os fragmentos do livro. Cito:

«Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A do relógio sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das emoções sei também que é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada; neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro.»

Para mim, pensador incipiente e de rebarbativos lapsos, o tempo é associado ao peso progressivo da idade, à dispepsia e à fadiga dos órgãos, embora não seja dos que tenham, por enquanto, as maiores razões de queixa. Como se vê, estou naquele círculo das sensações e das emoções, logro em que não caía o avisado empregado do escritório da Rua dos Douradores. Ele que assim fecha o seu fragmento sobre o tempo:

«Que coisa, porém, é esta que nos mede sem medida e nos mata sem ser? E é nestes momentos, em que nem sei se o tempo existe, que o sinto como uma pessoa, e tenho vontade de dormir.» 

Tal e qual como eu, quando sofro os achaques nocturnos da minha carne débil: tenho vontade de dormir, só que muitas vezes não consigo.

 

Sem comentários: