Tenho aqui sobre a mesa, sempre à mão, uma edição popular deste livro. Digo popular porque me custou dois ou três euros – já não me lembro com exactidão – num alfarrabista da cidade. É um livro sem preâmbulos, sem estudos, sem notas – apenas com o prefácio de Fernando Pessoa e a «autobiografia sem factos» do esforçado colaborador do guarda-livros Moreira e do controverso patrão Vasques.
Há bocado
abri o livro ao acaso – como algumas vezes sucede – e dei com os meus olhos
diante do fragmento nº 350 em que Bernardo Soares discorre sobre o sentido –
digamos metafísico – do tempo. Para
alguém sujeito ao jugo do Deve e
do Haver não está nada mal, constatação
válida para este fragmento e para todos os fragmentos do livro. Cito:
«Não sei o
que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A
do relógio sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das
emoções sei também que é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos
sonhos é errada; neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez
depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do
decorrer cuja natureza ignoro.»
Para mim,
pensador incipiente e de rebarbativos lapsos, o tempo é associado ao peso progressivo
da idade, à dispepsia e à fadiga dos órgãos, embora não seja dos que tenham,
por enquanto, as maiores razões de queixa. Como se vê, estou naquele círculo
das sensações e das emoções, logro em que não caía o avisado empregado do escritório
da Rua dos Douradores. Ele que assim fecha o seu fragmento sobre o tempo:
«Que coisa, porém, é esta que nos mede sem medida e nos mata sem ser? E é nestes momentos, em que nem sei se o tempo existe, que o sinto como uma pessoa, e tenho vontade de dormir.»
Tal e qual como eu, quando sofro os achaques nocturnos da minha carne
débil: tenho vontade de dormir, só que muitas vezes não consigo.
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