quarta-feira, março 31, 2021

PINACOTECA

 GUIDO RENI (1575-1642), Susana e os Velhos (1625)

Segundo o Livro de Daniel, 13. Deus não abandona os inocentes. Susana era casta, os velhos é que eram maus.

segunda-feira, março 29, 2021

GRANDE PLANO

A  bela CATHERINE ZETA-JONES (Elena de la Vega) e o danado do ANTONIO BANDERAS (Don Alejandro de la Vega / Zorro) em A Lenda do Zorro (2005), de Martin Campbell. O casal em plena crise do casamento e uma insidiosa conspiração contra os Estados Unidos a reclamar a acção do herói justiceiro em renovada aventura. Assim não há casamento que resista, porém...

sexta-feira, março 26, 2021

NÃO SE MEXAM, NO MÍNIMO 200 EUROS DE MULTA...

Foto de 25-3-2021. Pátio interior do Convento de S. Francisco, de Tomar, notável edifício do século XVII, tanto quanto julgo saber em vias de receber obras de conservação. Aqui fica como tributo à mobilidade ora cerceada.  E o resto é conversa.

terça-feira, março 23, 2021

TO FLIRT

 

CAP. XLIV de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett

Da longa carta de Carlos a Joaninha, Évora Monte, Maio de 1834

(…)

O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma palavra que não há nem pode haver noutras línguas enquanto a civilização as não apurar. To flirt é um verbo inocente que se conjuga ali entre os dois sexos, e não significa namorar — palavra grossa e absurda que eu detesto —, não significa «fazer a corte»; é mais do que estar amável, é menos do que galantear, não obriga a nada, não tem consequências, começa-se, acaba-se, interrompe-se, adia-se, continua-se ou descontinua-se à vontade e sem comprometimento.
Eu flartava, nós flartávamos, elas flartavam...
E não há mais doce nem mais suave entretenimento de espírito do que o flartar com uma elegante e graciosa menina inglesa; com duas é prazer angélico, e com três é divino.
Para quem nasceu naquilo, não é perigoso; para mim degenerou, breve, aquela plácida sensação em mais profundo sentimento. Veio a admiração primeiro. E como as eu admirava todas três as minhas gentis fascinadoras!
E elas conheciam-no, riam, folgavam e estavam encantadas de me encantar. Fizeram nascer os desejos!
Julguei-me perdido, e quis fugir. Não me deixaram e zombaram de mim, da ardência do meu sangue espanhol, da veemência das minhas sensações... Em breve eu amava perdidamente uma delas — queria muito às outras duas; mas amar, amar deveras, de alma cuidava eu, de coração ia jurá-lo, era a segunda — Laura, a mais gentil, mais nobre, mais elegante e radiosa figura de mulher que creio que Deus moldasse numa hora de verdadeiro amor de artista que se dignou tomar por esse pouco de greda que tinha nas mãos ao formá-la.

Ele flartava, mas depois é que as coisas se complicaram... Sobre o flirt, já disse o obscuro predicador deste blogue : «é como uma laranja doce e amarga às vezes». Para que se saiba.


segunda-feira, março 22, 2021

PARNASO EM OEIRAS

Esta tarde, fui ver a Florbela ao Parque dos Poetas. Disse-me aquele soneto cuja primeira estrofe é:

És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!

Oiço de novo o riso dos teus passos!

És tu que eu vejo a estender-me os braços

Que Deus criou para abraçar-me a mim!

E a última:

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,

Tudo o que é vida e vibra eternamente

É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!

Gostei muito. 

domingo, março 21, 2021

A ESPUMA DOS DIAS: POLÉMICA SOBRE A MAÇONARIA

Agora que por causa das iniciativas legislativas do PAN e do PSD muito se tem falado da maçonaria, é interessante recuperar uma página de José Régio em Confissão dum Homem Religioso, livro publicado postumamente há 50 anos.
Tem a ver com o «tio brasileiro», emigrante que fez fortuna no Brasil e a deixou à irmã Libânia, tia-avó do poeta, grande matriarca e garante de uma prosperidade de que beneficiou toda a família. O avô do poeta, monárquico miguelista, castigado com um filho que aderira às ideias republicanas, foi deserdado por uma divergência familiar relacionada com o seu segundo casamento.
Diz José Régio a respeito do avô e da fortuna do «tio brasileiro»:
«Se acabara por aceitar o republicanismo do filho, teria alguma vez aceitado (ou que perturbação lhe não causaria!) o facto de o irmão «brasileiro» se ter feito maçon no Brasil? Sempre se referia com reverência a esse irmão que o deserdara. Ora os maçónicos eram para o meu avô os mais sinistros, perigosos, abomináveis dos indivíduos! Confesso haver ficado eu próprio muito confuso, ou quase aterrado, quando, abrindo com chave falsa as velhas gavetas duma papeleira tentadora, descobri livros e papéis que me convenceram desta monstruosidade: O tio brasileiro, o grande homem tão respeitado duma família tão católica, apostólica, romana, (embora com aquelas pequenas liberdades adstritas às devoções muito particulares de cada um) – pertencera à maçonaria! fora uma maçónico! assim arranjara, talvez, o seu dinheiro, pois então se repetia que filiar-se na maçonaria era uma vergonhosa maneira de fazer fortuna.»
Sem tirar nem pôr, bem-avisados são, nos tempos que correm, os deputados do PAN e do PSD.

quarta-feira, março 17, 2021

DÉJÀ LU


Reabriu ontem ao público a livraria DÉJÀ LU  da Cidadela de Cascais. Entre diversas compras (livros usados), todas a bom preço, destaco a edição da "quasi", de Maio de 2008, Fátima, Poema do Mundo, de António Botto. O livro já o conhecia, mas foi com gosto que o trouxe porque é um documento. O «esteta sensualista» das Canções - louvado por Fernando Pessoa e José Régio e execrado pelos conservadores inimigos da «literatura de Sodoma» - surge nesta obra de 1955 no auge da sua fase mística e religiosa. O discurso de Nossa Senhora aos pastorinhos chega a ser risível. O livro foi publicado no Rio de Janeiro (onde o poeta então residia) no quadro do XXXVI Congresso Eucarístico, tendo recebido  o "Imprimatur" do cardeal Cerejeira.  

segunda-feira, março 15, 2021

A CONTA-GOTAS

A partir de hoje, cafezinhos e jesuítas na pastelaria Bijou de Cascais sem aquela inestética mesa a bloquear a porta da entrada aos fregueses. Os pastéis-de-nata também se deixam trincar. Bijou, since 1929, pois então!

DRAMA EM GENTE

 Aguarela de Alfredo Margarido

Primeira carta de Fernando Pessoa para José Régio, datada de 26 de Janeiro de 1928 (Cartas entre Fernando Pessoa e os Directores da presença, edição e estudo de Enrico Martines, IN-CM, 1998), em que se fala do abominável Álvaro de Campos e se surpreende o «drama em gente» pessoano. Escrita em «orthographia pré-republicana»:

Meu querido José Régio:
(Se spontaneamente, o tracto assim, excuso de dizer-lhe que não tinha que hesitar-se, durante um paragrapho inteiro, para me tractar approximadamente...)
A phrase precedente, scripta com uma completa sinceridade, não é minha; intercalou-a, por anticipação, nesta carta o  meu abominável, porém neste caso justo, amigo Álvaro de Campos. Dizendo que elle é justo, confirmo, e torno minha, aquella phrase.
Do melhor grado, e agradecendo por mim todos, acedo ao honroso convite que me nos faz para que collaboremos no numero anthologico de "Presença". Envio quatro composições breves: uma é do Álvaro de Campos, outra minha; do Ricardo Reis vão duas, para que escolha a que prefere. Do extinto Alberto Caeiro não pude obter composição alguma, pois os parentes, ou testamenteiros, me não facultaram o traslado.
(...)

De facto, que esperar de parentes ou testamenteiros? Se calhar, preparavam-se para vender os poemas por grossa maquia. O extinto poeta, diferentemente, não prosseguia objectivos materialistas: tinha uma alma que era como se fosse um pastor, amava toda a paz da Natureza, não tinha ambições nem desejos, lia o livro de Cesário Verde até lhe arderem os olhos...
  

domingo, março 14, 2021

DE OLHOS ABERTOS

Manto de chorões-da-praia (Carpobrotus edulis), espécie invasora, em início da floração. Fotografado em Cascais ante «o longo friso branco das espumas», «o tremular da vaga» (Sophia).
 

quarta-feira, março 10, 2021

"PASSAGEIROS" ( 2016), DE MORTEN TYLDUM

 

Numa aventura apocalíptica, a descomunal nave Avalon cruza o espaço interestelar para chegar ao planeta Homestead II, a 120 anos de viagem. Os passageiros estão em hibernação, mas perturbações nos sistemas de bordo fazem despertar um deles, o mecânico Jim Preston (actor Chris Pratt). O peso da solidão, impele-o a acordar a mais bela das passageiras, Aurora Lane (actriz Jenniffer Lawrence), sabendo que fora das cabines de hibernação, não podendo por razões técnicas reactivá-las, ficarão ambos sujeitos ao processo natural de envelhecimento. Vivem então uma história de amor. Muitas peripécias e alguns amuos a reforçarem os afectos. Quando a nave, 88 anos depois, chega ao tal planeta, já eles não pertencem ao mundo dos vivos. Os passageiros acordam para o desembarque e deparam-se com uma nave repleta de vegetação, uma réplica do ambiente da Terra preparada pelos dois amantes durante a sua vida a bordo. A nave é bonita,  a rapariga também, e o filme está cheio de efeitos especiais e de muitas coisas que não são explicadas. Visto com bonomia e condescendência. Passou esta noite no canal HollywoodHD.

terça-feira, março 09, 2021

A MEMÓRIA, SENHORES

JOAQUIM DE ARAÚJO (Penafiel, 1858 - Telhal, Sintra, 1917)

Quantos dos nossos poetas do século XX serão recordados e lidos de aqui a cem anos? Não tenho dúvidas de que Pessoa, Sophia, Herberto Helder, Ruy Belo e mais uns quantos lograrão escapar ao anel de sombra e esquecimento que sempre envolve os feitos dos homens, por mais nobres que eles sejam.
Alguém sabe – de uma forma geral, evidentemente – quem foi Joaquim de Araújo?
Autor, entre outros trabalhos, do poemeto Luís de Camões (1887), tentou que Eça de Queirós lhe escrevesse – com a urgência reclamada pelo processo editorial em curso – um prólogo de considerável extensão para a sua obra. A resposta por carta do escritor é exemplar, está compilada em Notas Contemporâneas, pelo que admito que não havendo prólogo, converteu-se o desiderato de Araújo em carta-prefácio e já foi muito bom. Diz o mestre:
«Os seus sonetos, para encantarem, não necessitam dos meus laboriosos comentários. Se os rouxinóis, por motivos filosóficos, se decidissem a não cantar sem terem ao lado um crítico hábil que lhes explicasse o canto – deve confessar, meu caro Araújo, que os arvoredos perdiam logo todo o seu idílio e todo o seu mistério. As obras de arte devem falar por si mesmas, explicar-se por si mesmas, sem terem necessidade de pôr ao lado um cicerone». Avançando depois: «O meu prólogo seria um bocado de chumbo atado à asa duma linda e ligeira ave… Publique os seus sonetos sós, e os homens de gosto ficar-lhe-ão agradecidos». E como argumento final: «De resto, como lhe disse, a dificuldade é você ter pressa e eu ser um homem de inspiração tão lenta.»
Ficou Joaquim de Araújo sem prólogo, valeu-lhe talvez a carta-prefácio, mas isso em nada contrariaria o esquecimento a que foi votado, não obstante a dignidade das obras e serviços prestados.
Mnemósine, personificação mitológica da memória e mãe das nove musas, que partidas pregas aos homens!

segunda-feira, março 08, 2021

8 DE MARÇO

Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Houve uma amiga que me avisou e eu tomo sempre boa nota dos avisos das amigas. Nesta data, pensava publicar sobre o «dia triunfal» de Fernando Pessoa, 8 de Março de 1914, quando o poeta, acercando-se de «uma cómoda alta e tomando um papel», escreveu de pé trinta e tal poemas a fio, segundo o que narra a Adolfo Casais Monteiro na célebre carta sobre a génese dos heterónimos. O meu 8 de Março era outro, mas caiu-lhe em cima o aviso da minha amiga. E assim, para não desfeitear Pessoa nem as mulheres, muito menos a amiga estimável, lembrei-me de trazer aqui, em homenagem a elas, o único “heterónimo” feminino do autor de Mensagem – nada mais, nada menos que Maria José, corcunda de 19 anos, escrevente daquela carta que começa assim:

Senhor António:

O senhor nunca há-de ver esta carta, nem eu a hei-de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo.

Eu tenho dúvidas que Maria José seja um heterónimo, mas no acervo do “Arquivo Pessoa - Obra Édita” é assim que aparece. Aceitemo-lo então. E vivam as mulheres, a Maria José e o Dia Internacional da Mulher!  


quarta-feira, março 03, 2021

OS TRABALHOS E OS DIAS bis

Na Praça do Império e suas adjacências para averiguar sobre os brasões florais e a estatuária épica do Padrão dos Descobrimentos, temas tratados ultimamente por líderes de opinião e predicadores do efémero. 
Nos brasões, falece o buxo e medra a erva ruim, como se percebe pela fotografia. São uma ruína. Mas a estatuária está fixe, até parece um canto dos Lusíadas em pedra. O gajo que queria deitar aquilo abaixo deve ter interesses económicos em alguma empresa de demolições... 
Concluídas as averiguações, passei pelos Pastéis de Belém. Uns minutos de espera numa pequena fila e trouxe uma caixa de meia-dúzia. Fiquei com sobremesa para o jantar.  
= Fotos de hoje =

OS TRABALHOS E OS DIAS

Ontem à tarde, ronda pelas livrarias do Chiado: Bertrand e FNAC. O Fernando António não tinha companhia na mesa habitual da "Brasileira" e a Rua Garrett estava um bocado vazia de passantes. Entre outros livros, comprei esta versão (para jovens) de A Tempestade, obra da Hélia Correia. Está quase lida, até me sinto com uma data de anos a menos... 

terça-feira, março 02, 2021

RAFAEL BORDALO PINHEIRO, A QUARENTENA



Chegado do Brasil em 1879, Rafael Bordalo Pinheiro teve de cumprir quarentena por causa do surto de febre amarela que grassava em terras de Vera Cruz. Ficou confinado por sua conta e risco no edifício do Lazareto, sito no Porto Brandão, margem esquerda do Tejo.
O edifício ainda lá está, muito arruinado pelas múltiplas funções que lhe foram sendo cometidas desde aqueles tempos heróicos em que a febre amarela assustava. O artista publicou o relato do confinamento em livrinho ilustrado com os seus desenhos, edição da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Lisboa, anno Domini 1881.
Foi a edição moderna deste relato – aliás coedição PIM! / Museu Bordalo Pinheiro / EGEAC, saída em 2020 – que hoje comprei na FNAC do Chiado. Diz Bordalo: «O Lazareto, entretanto, continua a ser uma penitenciária que prende tudo – menos a febre amarela».
Anos antes, já S.M.I. Pedro II do Brasil por lá tinha passado aquando da sua chegada a Portugal em visita de estado. Desembarcado do iate “Douro” a 12 de Junho de 1871, ali ficou mais ou menos confinado até 20 do mesmo mês. Quis o rei D. Luís que ele fizesse a quarentena a bordo da corveta “Estephania”, para o efeito preparada, tanto mais que se encontrava acompanhado da imperatriz Theresa Cristina. Não esteve pelos ajustes o magnífico imperador que resolveu cumprir o exigido nos mesmos moldes de qualquer burguês ou migrante torna-viagem vindos da terra onde canta o sabiá.
Em As Farpas, de Junho de 1871, os impagáveis redactores não deixaram passar em claro a insólita disposição imperial:
«O Senhor D. Pedro II não põe somente a democracia na sua política e nas instituições do seu império. Também a põe nos seus hábitos, nos seus usos particulares, na sua conservação, nas suas maneiras, no forro do seu chapéu e na casa do seu paletó.
Se a democracia se pudesse converter em alimento, S.M.I. teria acabado com ela, comendo-a com pão.
S.M.I. não aceitou a hospedagem que lhe estava preparada no palácio de Belém, nem a estação de quarentena a bordo de um navio de guerra.
Preferiu a mesa redonda do Lazareto e um quarto no hotel Bragança».
Quarentena é quarentena e em nome da saúde pública não há que dar facilidades. Porque como escreveu Bordalo no seu livrinho, «ninguém pode dizer deste Lazareto não beberei».


COUPELLES TAUROMACHIQUES


Coupelles tauromachiques, de PABLO PICASSO, série de 29 pinturas sobre cerâmica (1953). Fotografado em Abril de 2018 no Musée d´Art Moderne de Céret  (Pirinéus Orientais, França). O artista trabalhou na região por diversas vezes. 

Vieram-me hoje à memória ao ler o poema de INÊS lOURENÇO:

TAURUS

Pablo pintou a preto e branco / e também a cinza essa força abatida tão bravia tão possante e / sempre destinada aos labirintos aos curros às lanças que / na ameaça dos seus chifres atrai. Assírio ou cretense / ou açulado por algazarras ibéricas / é o poder destronado de constelações e mitos / sangrado em paso doble roufenho numa / execução festiva com cavalos e trajos de luzes / na coreografia de magarefe a que chamam arte / e que alimenta o produto interno bruto.

(O Jogo das Comparações, Companhia das Ilhas, 2016)