«Uma paisagem é um estado de alma» – frase muito conhecida do
diário de Amiel, datada de Lancy, Suiça, 31 de Outubro de 1852. «Passeio de meia hora pelo jardim, sob uma
chuva miudinha.– Paisagem de Outono. Céu coberto de cinzento e enrugado em tons
diversos, nevoeiros arrastando-se sobre as montanhas que fecham o horizonte;
natureza melancólica; as folhas a caírem por todos os lados como as últimas
ilusões da mocidade sob o pranto de mágoas incuráveis.» O semi-heterónimo pessoano
Bernardo Soares diz no Livro do
Desassossego que «a frase [de Amiel] é uma felicidade frouxa de sonhador débil», acrescentando: «Desde que a paisagem é paisagem, deixa de
ser um estado de alma. Objectivar é criar, e ninguém diz que um poema feito é
um estado de estar pensando em fazê-lo. Ver é talvez sonhar, mas se lhe
chamamos ver em vez de lhe chamarmos sonhar, é que distinguimos sonhar de ver.»
Falando Soares é como se falasse Pessoa, pois como este disse na célebre carta
a Adolfo Casais Monteiro, não sendo a personalidade de Bernardo Soares a sua, não
era diferente dela, mas uma simples mutilação: «Sou eu menos o raciocínio e a afectividade.» Entre o professor de
Genebra e o ajudante de guarda-livros dum ignorado escritório da Rua dos
Douradores ou, melhor dizendo, correspondente de línguas estrangeiras em vários
escritórios de Lisboa, vai a distância entre a exaltação das emoções do eu e a despersonalização
modernista. Ou, pensando nas duas obras, a diferença que há entre um diário íntimo
e uma “autobiografia sem factos”.
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