terça-feira, outubro 01, 2019

FORMA E CONTEÚDO

Esta colectânea reúne vinte e quatro textos escritos entre 1947 e 1970. Alguns deles, publicados em jornais e revistas, foram entretanto remodelados para a edição definitiva em livro. Li hoje o texto com o título "Almanaque Literário", uma reflexão em 12 alíneas sobre a arte, a literatura e o trabalho de criação literária. Trata-se de uma escrita elegante como hoje pouco se vê. Cito umas passagens onde se aborda a questão do estilo e do fundo, que o mesmo é dizer da forma e do conteúdo, achas que foram para a  fogueira das velhas polémicas internas do Neo-Realismo:
«Farei hoje o elogio do estilo. Não ignoro que a "estratégia da glória", tão condicionada à pressa do "triunfo", gasta muito pouco tempo com estas ninharias: estilo, expressão, linguagem, quando não insinua mesmo que são óptimas desculpas para criadores vagarosos, regatos de água quase mortos no estio literário. Não me refiro, claro, aos rios tumultuosos por natureza, onde há uma limpidez profunda de torrente, mas aos charcos que se julgam a caminho do mar, à babugem turva que se toma já pela fosforescência da onda.» 
Em continuação:
«O interesse pelo tratamento da "forma" na obra literária ganha com frequência outra animosidade, a dos partidários do "fundo", que põem o problema no quadro esquemático duma luta mortal entre expressão e conteúdo. Considerar o romance, o poema, como bichos de duas cabeças é desfigurá-los. Entendo mal a incompatibilidade entre uma ideia ou uma imagem e a busca das palavras que as tornam cintilantes. "Procuro encostar as palavras à ideia", dizia Alberto Caeiro.»
E finalmente:
«Parece ocioso repetir que "fundo" e "forma" são indissolúveis, se determinam entre si no âmbito da linguagem.»

Sem comentários: