quinta-feira, janeiro 31, 2019

DOIS ROMANCES

Em Germinal, durante a greve dos mineiros, e em As Vinhas da Ira, quando na mira dos lucros acrescidos da mecanização se dá a expulsão dos rendeiros das suas terras, as decisões transmitidas pelos agentes dos proprietários são sempre feitas em nome da companhia, entidade distante, invisível e incorpórea na qual, como diz uma personagem de Steinbeck, não há a possibilidade de se dar um tiro. Esta ideia do capital anónimo – um monstro de muitos braços cuja cabeça não é conhecida – está presente em várias passagens dos primeiros capítulos de As Vinhas da Ira. Veja-se a fala de um dos rendeiros obrigado a sair da terra que era trabalhada pela sua família há duas gerações: « – O tipo que veio falava com a doçura de um pastel de nata. “Vocês têm de sair. A culpa não é minha”. “Então”, disse eu, “de quem é a culpa, que eu vou dar cabo do sujeito?” “É da Companhia Shawnee de Terras e de Gado. Eu apenas recebi ordens.” “Quem é a Companhia Shawnee de Terras e de Gado?” “Não é ninguém. É uma companhia.”» E no romance de Zola há algo de semelhante quando a comissão de greve vai dialogar com o director da mina, Philippe Hennebeau, dizendo-se este um mero servidor da companhia que lhe paga o salário, não dispondo de poder para satisfazer as exigências dos mineiros. Entre um e outro romance decorrem cinquenta e cinco anos, a emergência de uma guerra mundial e a primeira grande crise do capitalismo moderno. Os principais traços das relações entre patrões e trabalhadores mantêm-se porém inalterados. 


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