RUY BELO (1933-1978), desenho obtido no sítio Correio do Porto
Ruy Belo, no
“Breve Programa para Uma Iniciação ao Canto” que antecede Transporte no Tempo (1973), diz isto: «Ao escrever, e
independentemente do valor do que escrevo, tenho às vezes a vaga consciência de
que contribuo, embora modestamente, para o aperfeiçoamento desta terra onde um
dia nasci para nela morrer um dia para sempre.» Uma vaga consciência, diz o poeta, o que só poderá ser entendido como
uma manifestação de humildade. Lemos num dos poemas de Transporte no Tempo: «Odeio este tempo detergente / um tempo
português que até utilizou / os
primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven / como indicativo da voz do
ocidente». Alguns dos poetas que defenderam “a arte pela arte”, fizeram-no pela
pureza e autonomia dessa mesma arte, não duvidando do poder, que lhe é
inerente, de transformar os homens e as sociedades. A arte pode e deve falar de
tudo, só não é admissível que seja instrumentalizada ao serviço de políticas,
religiões e credos em geral. «A arte é, não serve», disse o presencista Adolfo
Casais-Monteiro, não andando longe de Mário Dionísio quando proferiu, em 1958,
na conferência Conflito e Unidade da Arte
Contemporânea, as seguintes palavras: «A grande lição é esta: não se pode resolver criar uma nova arte. Nem
planificar um sonho sem o caricaturar. Querer racionalizar a criação artística
é impedi-la. É querer ordenar o inordenável, prever o imprevisível, fazer florir
por métodos exteriores, planificações, artifícios, o que só vive de imprevisto,
de surpresa, de inviolável liberdade.» E aqui está até onde nos leva Ruy Belo.
Dêmos-lhes então a palavra quando, no mesmo texto, fala do poeta: «Falo do
homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando a palavra como uma enxada
ou uma arma, encontrou ou pelo menos procurou na linguagem um contorno para o
silêncio que há no vento, no mar, nos campos.»
2 comentários:
Estes textos do Ruy Belo são também excepcionais.
Sem dúvida, meu caro. "Na senda da poesia", ensaios, muito interessante.
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