Vibrava os dedos sobre o berço das teclas, o ecrã colocado propositadamente de viés para que outros não pudessem ler o que era só dela: uma conversa de palavras escritas em jeito de parada e resposta, frases curtas, um diz tu digo eu despojado de apuro e à velocidade de cruzeiro da linguagem em rede. Se alguém se aproximava minimizava a página, ficava uma pequena barra na base do ecrã, e passava a um espaço anódino, desses que não inspiram a curiosidade de ociosos e demais criaturas perversas.
O trabalho que aquilo dá! Primeiro é preciso fazer um registo, escolher um pseudónimo (ou nickname), dizer se procura homem ou mulher, faixa etária desejada, indicar os dados pessoais: idade, estado civil, nível de escolaridade, profissão, se gosta de cinema, de música ou de futebol, se tem algum hobby particular, se costuma ler ou passar indiferente pela carranca dos livros. É conveniente publicar uma fotografia, ajuda muito a encontrar a pessoa certa. Os administradores do portal, sempre atentos, vão dando sugestões e exibindo novos perfis, de acordo com os gostos e interesses manifestados pelos utilizadores.
O nome deste sítio na Internet forma-se a partir do radical meet (de encontrar, claro), acrescentando-se-lhe ix, ou ex, ou qualquer outra partícula sufixal que se me varreu da memória. Meetix, meetex, ou lá o que seja.
A coisa parece que resulta. Uma senhora de Cascais, apresentável mas já em fase de mudança de estação, arranjou por este meio um namorado jovem e bem apessoado. Um homem de Sintra, inviamente casado, conseguiu estrear-se no adultério de raiz internética após breves dias de navegação. Um cavalheiro da Amadora, viúvo e aposentado da função pública, encontrou uma brasileira de Minas que agora quer vir até à terrinha dos descobridores para casar com ele. Estes os casos de que tenho notícia, muitos mais haverá, estou certo.
Ela sentava-se ao computador entre duas a três horas ao fim do dia, esquecia o jantar, esquecia a televisão. Isto para além do tempo que trazia acumulado do local de trabalho, sobre o qual não há certezas, apenas umas temerárias suposições. Entrava no portal dos encontros, ia para o chat, minimizava a página quando o serviço apertava ou o superior hierárquico rondava por perto, lançava uns dados no sistema da empresa, voltava ao portal. Quando saía do escritório, pelas cinco e meia da tarde, ia exausta de emoção.
Entretanto, pelo correio electrónico iam chegando mensagens de homens interessados no seu perfil. Era só marcar o tête-à-tête, de preferência num local discreto a uma hora discreta, como entre as cinco e as sete da tarde, logo se veria o que aquilo dava. Sim, é extraordinário, muito mais interessante em pessoa que na fotografia, e na próxima sexta-feira à noite, que tal sairmos para nos conhecermos melhor? Ou então, em caso de interlocutor mais objectivo: Gostei muito que tivesse vindo, o meu apartamento é já aqui ao virar da esquina, podemos subir e tomar um refresco.
Parece que nunca passou dos gozos virtuais, dos encontros sem consequências, mas o marido, ciumento e de mau carácter, farejando os mais improváveis eflúvios, deu em desconfiar daquela devoção informática. Espiou-a como o pide ruim espiava a vítima, e armou uma cena de violência doméstica. Toma lá que é para aprenderes! Depois abriu o computador e extraiu o disco para ser inspeccionado por técnicos da sua confiança: queria descobrir o mapa de todos os mares navegados pela cibernauta.
Que história triste! Como é deplorável a personalidade destes homens que só ficam satisfeitos quando recolhem certezas de tudo. Arruínam a vida própria e a alheia pelo azougue dum caso, pela brisa dum facto, quando mais sensato é deixar o coração à segurança do que não é seguro, ao poder afrodisíaco de não saber tudo, de não saber nada ou até de ser o último a saber.
Desconheço os desenvolvimentos recentes da história desta mulher. Sei que o marido anda aí pelas tascas do bairro, a língua metida nos gargalos das minis, trincando coiratos e tiras de entremeada. Quanto a ela, vi-a passar no outro dia a caminho da paragem do autocarro: ia ligeira e perfumada como uma ave do Éden. Por momentos, tive a tentação de me registar no tal meetix ou meetex para a encontrar e poder falar-lhe, mas felizmente que não fui por aí. Ainda sou do tempo do papel de carta e das declarações de amor lançadas do empedrado das ruas para o alto das sacadas. Ainda me lembro das serenatas, dos bailes nas sociedades recreativas e dos românticos passeios de domingo nos jardins públicos. Desconfio das facilidades da Internet e do falso brilho das suas páginas. Além disso, há ainda uma razão de peso: tenho em minha casa quem passe largo tempo nestas navegações sem bússola por baixios e escolhos de morte. É melhor não me aventurar em tão traiçoeiras singraduras. Quem sabe o que poderia encontrar por lá?
O trabalho que aquilo dá! Primeiro é preciso fazer um registo, escolher um pseudónimo (ou nickname), dizer se procura homem ou mulher, faixa etária desejada, indicar os dados pessoais: idade, estado civil, nível de escolaridade, profissão, se gosta de cinema, de música ou de futebol, se tem algum hobby particular, se costuma ler ou passar indiferente pela carranca dos livros. É conveniente publicar uma fotografia, ajuda muito a encontrar a pessoa certa. Os administradores do portal, sempre atentos, vão dando sugestões e exibindo novos perfis, de acordo com os gostos e interesses manifestados pelos utilizadores.
O nome deste sítio na Internet forma-se a partir do radical meet (de encontrar, claro), acrescentando-se-lhe ix, ou ex, ou qualquer outra partícula sufixal que se me varreu da memória. Meetix, meetex, ou lá o que seja.
A coisa parece que resulta. Uma senhora de Cascais, apresentável mas já em fase de mudança de estação, arranjou por este meio um namorado jovem e bem apessoado. Um homem de Sintra, inviamente casado, conseguiu estrear-se no adultério de raiz internética após breves dias de navegação. Um cavalheiro da Amadora, viúvo e aposentado da função pública, encontrou uma brasileira de Minas que agora quer vir até à terrinha dos descobridores para casar com ele. Estes os casos de que tenho notícia, muitos mais haverá, estou certo.
Ela sentava-se ao computador entre duas a três horas ao fim do dia, esquecia o jantar, esquecia a televisão. Isto para além do tempo que trazia acumulado do local de trabalho, sobre o qual não há certezas, apenas umas temerárias suposições. Entrava no portal dos encontros, ia para o chat, minimizava a página quando o serviço apertava ou o superior hierárquico rondava por perto, lançava uns dados no sistema da empresa, voltava ao portal. Quando saía do escritório, pelas cinco e meia da tarde, ia exausta de emoção.
Entretanto, pelo correio electrónico iam chegando mensagens de homens interessados no seu perfil. Era só marcar o tête-à-tête, de preferência num local discreto a uma hora discreta, como entre as cinco e as sete da tarde, logo se veria o que aquilo dava. Sim, é extraordinário, muito mais interessante em pessoa que na fotografia, e na próxima sexta-feira à noite, que tal sairmos para nos conhecermos melhor? Ou então, em caso de interlocutor mais objectivo: Gostei muito que tivesse vindo, o meu apartamento é já aqui ao virar da esquina, podemos subir e tomar um refresco.
Parece que nunca passou dos gozos virtuais, dos encontros sem consequências, mas o marido, ciumento e de mau carácter, farejando os mais improváveis eflúvios, deu em desconfiar daquela devoção informática. Espiou-a como o pide ruim espiava a vítima, e armou uma cena de violência doméstica. Toma lá que é para aprenderes! Depois abriu o computador e extraiu o disco para ser inspeccionado por técnicos da sua confiança: queria descobrir o mapa de todos os mares navegados pela cibernauta.
Que história triste! Como é deplorável a personalidade destes homens que só ficam satisfeitos quando recolhem certezas de tudo. Arruínam a vida própria e a alheia pelo azougue dum caso, pela brisa dum facto, quando mais sensato é deixar o coração à segurança do que não é seguro, ao poder afrodisíaco de não saber tudo, de não saber nada ou até de ser o último a saber.
Desconheço os desenvolvimentos recentes da história desta mulher. Sei que o marido anda aí pelas tascas do bairro, a língua metida nos gargalos das minis, trincando coiratos e tiras de entremeada. Quanto a ela, vi-a passar no outro dia a caminho da paragem do autocarro: ia ligeira e perfumada como uma ave do Éden. Por momentos, tive a tentação de me registar no tal meetix ou meetex para a encontrar e poder falar-lhe, mas felizmente que não fui por aí. Ainda sou do tempo do papel de carta e das declarações de amor lançadas do empedrado das ruas para o alto das sacadas. Ainda me lembro das serenatas, dos bailes nas sociedades recreativas e dos românticos passeios de domingo nos jardins públicos. Desconfio das facilidades da Internet e do falso brilho das suas páginas. Além disso, há ainda uma razão de peso: tenho em minha casa quem passe largo tempo nestas navegações sem bússola por baixios e escolhos de morte. É melhor não me aventurar em tão traiçoeiras singraduras. Quem sabe o que poderia encontrar por lá?
1 comentário:
Olá, eu não conheço você, mais posso afirmar que é uma boa pessoa, afinal gosta de livros; e eu quero me apresentar: sou uma pequena poeta, que ama ler, e eu descobri em teu blog trecho do meu livro favorito : Clarissa, e vi que fizestes um poema, que achei maravilhoso, principalmente em : (...) Numa manhã
terminados os exames no colégio
deixaste a pensão
regressaste a casa
Nenhum raio de sol
voltou a trespassar de luz
o aquário
Estrídulo
o papagaio verde
continuou a gritar o teu nome
no poleiro do alpendre
E as folhas dos plátanos
ávidos olhos
leram nos poemas
o bisel da paixão
O piano
esse
nunca deixou de tocar
sobre os alçapões
do sentimento mudo.
Obrigado, tuas palavras, já a muito escritas, trouxeram um pouco de luz à minha vida hoje!
E gostaria de pedir que visitasse o meu blog: http://thelemonsweet.blogspot.com/ , entre em contato, abraços!
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