Vi hoje no
cinema Ideal. Seria difícil a João Botelho entrar na alma do livro. Como intertexto,
o filme é obra razoavelmente conseguida, apesar de algumas anomalias de casting: Chico Diaz, no papel de Ricardo
Reis, é um actor quinze anos mais velho do que a personagem interpretada; Luís
Lima Barreto, por sua vez, surge demasiado carnal para a condição fantasmática de
Fernando Pessoa. Bem, muito bem, Catarina Wallenstein a quem parcialmente se
aplica o que no livro é dito a respeito de Lídia: «mulher feita e bem feita,
morena portuguesa, mais para o baixo que para o alto».
A força do
filme está nas vertentes amorosa e política do romance. Em termos literários, mas
com peso menor, há os diálogos entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis: o
desdobramento do eu, o fingimento poético e o classicismo do médico-poeta autor
de odes sáficas e alcaicas.
Assiste-se à
transformação política de Ricardo Reis. O estoico-epicurista que escrevera «sábio
é o que se contenta com o espectáculo do mundo», o monárquico sem rei
indiferente à opressão e à guerra como os jogadores de xadrez do seu poema
(«Tudo o que é sério pouco nos importe»), indigna-se com a prepotência da
polícia política que o interroga e a violência do comício fascista de que se
retira.
Esta nova
atitude perante o “espectáculo do mundo” (crescimento do nazismo e do fascismo na Europa,
triunfo do franquismo em Espanha), é discordante com o seu conservadorismo moral
e de classe (indecisão sobre o perfilhamento do filho seu e de Lídia e o juízo
da inconveniência de um casamento com uma mulher do povo).
Tentarei voltar ao filme para fixar alguns aspectos que me poderão ter escapado.
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