Sobre este problema, podemos ir ao episódio da Torre de Babel, Génesis 11, 1-9. Mas Chico Buarque também serve, e é muito a propósito que aqui se recorda. Lido há 3 anos para uma sessão da Comunidade de Leitores de São Domingos de Rana:
«Fui dar em
Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt,
com conexão para o Rio. A companhia ofereceu pernoite num hotel do aeroporto, e
só de manhã nos informariam que o problema técnico, responsável por aquela
escala, fora na verdade uma denúncia anônima de bomba a bordo. No entanto,
espiando por alto o telejornal da meia-noite, eu já me intrigara ao reconhecer
o avião da companhia alemã parado na pista do aeroporto local. Aumentei o
volume, mas a locução era em húngaro, única língua do mundo que, segundo as más
línguas, o diabo respeita. Apaguei a tevê, no Rio eram sete da noite, boa hora
para telefonar para casa; atendeu a secretária eletrônica, não deixei recado,
nem faria sentido dizer: oi, querida, sou eu, estou em Budapeste, deu um bode
no avião, um beijo. Eu deveria estar com sono, mas não estava, então enchi a
banheira, espalhei uns sais de banho na água morna e me distraí um tempo
amontoando espumas. Estava nisso quando, zil, tocaram a campainha, eu ainda me
lembrava que campainha em turco é zil. Enrolado na toalha, atendi à porta e
topei um velho com uniforme do hotel, uma gilete descartável na mão. Tinha
errado de porta, e ao me ver emitiu um ô gutural, como o de um surdo-mudo.
Voltei ao banho, depois achei esquisito hotel de luxo empregar um surdo-mudo
como mensageiro. Mas fiquei com o zil na cabeça, é uma boa palavra, zil, muito
melhor que campainha. Eu logo a esqueceria (...).»
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