MARC CHAGALL, Sobre a cidade (1918), óleo sobre tela, Galeria Tretyakov, Moscovo
Se há passagem das Viagens que sempre amei é essa do
Capítulo XLIV, a carta de Carlos a Joaninha datada de Évora-Monte, Maio de 1834.
Ela supera em muito outras conhecidas passagens da obra, entre elas a que se
tornou insuportável por tão usada que tem sido em jornais, blogues e demais
lugares da Internet, quando não na boca de pregoeiros da justiça universal que
nem sequer promovem a justiça naquilo a que podem chegar, e que se traduz pela
interrogação: «Eu pergunto aos economistas (...) se já calcularam o número
de indivíduos que é preciso condenar à miséria (...) para produzir um rico?»
Não chega à beleza da
que se segue, quando Carlos explica à Menina dos Rouxinóis o seu relacionamento
com as mulheres inglesas: «O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma
palavra que não há nem pode haver noutras línguas enquanto a civilização não as
apurar. To flirt é um verbo inocente
que se conjuga ali entre os dois sexos, e não significa namorar — palavra
grossa e absurda que eu detesto – não
significa “fazer a corte”; é mais do que estar amável, é menos do que
galantear, não obriga a nada, não tem consequências, começa-se, acaba-se,
interrompe-se, adia-se, continua-se ou descontinua-se à vontade e sem
comprometimento.»
É o elogio do flirt, descontando os perigos que ele encerra. Lembro-me sempre da beleza do flirt quando vejo os apaixonados
voadores de Marc Chagall. Tanta leveza e seguro desprendimento nada tem a ver com
a palavra namorar, grossa e absurda na poética e arriscada concepção de Carlos.
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